Emissário elogia Constituição e diz esperar que decisão seja baseada em ?critérios políticos?
O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Indígenas, James Anaya, sobrevoou ontem (20) três aldeias e as fazendas de arroz localizadas no interior da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Depois ele se reuniu com os índios no Distrito do Surumu - o coração dos conflitos envolvendo a posse da terra entre índios e não-índios naquela área, situada a 190 quilômetros de Boa Vista.
A visita, que prossegue amanhã (22), acontece a uma semana do julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), previsto para quarta-feira.
Anaya desembarcou no Surumu perto do meio-dia, em um avião Caravan, alugado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Foi recebido por cerca de 700 índios ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), que lidera o movimento pela expulsão dos não-índios da área.
O encontro, fechado para os jornalistas, ocorreu entre os escombros de um alojamento e de uma igreja, incendiados em 2005. O Estado apurou que Anaya recebeu um relatório detalhado da violência sofrida pelos índios nos últimos anos.
No almoço, o relator da ONU comeu damorida, um ensopado de carne, muito apimentado, e tomou caxiri, bebida alcoólica feita com a fermentação da mandioca, especialidades da culinária macuxi.
Os indígenas favoráveis à revisão da demarcação da Raposa Serra do Sol criticaram a visita do relator da ONU à Raposa Serra do Sol. "Esta é uma visita unilateral. Nós não fomos convidados para participar desse encontro", disse o tuxaua José Brazão de Braga, membro da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima.
Em declarações à imprensa, Anaya disse que tem nenhuma intenção de influenciar a decisão do Supremo sobre a demarcação da terra indígena em área contínua. "Espero que os ministros dêem a sua sentença baseados em critérios políticos e não com base em critérios alheios ao processo judicial", afirmou.
Indagado sobre uma possível reação da ONU a uma decisão do STF contrária à área continua, ele se esquivou: "Não vou opinar sobre o que vai fazer o Supremo Tribunal".
Anaya, um índio americano do Estado do Arizona, elogiou os capítulos da Constituição do Brasil que garantem a proteção aos povos indígenas: "Ela é avançada em relação aos direitos humanos e aos direitos dos povos indígenas e serve de exemplo para outros países".
O relator chegou a Roraima na madrugada de ontem, acompanhado por assessores e por Tarien Lesser, do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, em Genebra. O objetivo de sua visita é conhecer a situação dos povos indígenas brasileiros e elaborar um relatório ,que será apresentado em dezembro.
Hoje (21) o relator deve visitar a reserva ianomâmi, também no Estado de Roraima. Amanhã visitará uma uapixana, a 50 quilômetros de Boa Vista.
(Por Loide Gomes, O Estado de S. Paulo, 21/08/2008)