Celso Amorim declamou na hora errada e no lugar errado a tese mais cara a Joseph Goebbels, o marqueteiro-chefe da Alemanha nazista. Mas o chanceler trapalhão, desta vez, acertou no conteúdo: uma mentira repetida insistentemente acaba virando verdade. Todo dia alguém afirma, por exemplo, que a única coisa que só dá no Brasil é a jabuticaba. E meio mundo reage ao que apenas uma bobagem como quem ouve um dogma incontestável.
Ainda que se restringisse ao universo dos pomares e das quitandas, a teoria da jabuticaba seria implodida por uma uvaia, por um araçá, mesmo pelo mais humilde chico-magro. Mas não foi por acaso, e sim para conferir-lhe a desejada abrangência, que o pai da mentira usou "coisa" em vez de "fruta". Coisa é tudo, certo? Por isso mesmo, a teoria tem tanta profundidade que uma poderia atravessá-la com água pelas canelas.
A jabuticaba é só mais uma entre as incontáveis singularidades nacionais.
A mais relevante informa que uma das coisas que só dão no Brasil é brasileiro. Dos quase 200 milhões de exemplares legítimos, nenhum nasceu fora daqui. Essa multidão de extravagâncias convive com outros exotismos sem similares, como a anta, a capivara ou o tamanduá-bandeira. E elege com freqüência governos igualmente singulares, que criam mais singularidades extraordinárias. O Incra, por exemplo. Ou o Ibama.
O Ibama hoje incorpora tantas atribuições que as iniciais do nome oficial - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, dos Recursos Naturais Renováveis e da Amazônia Legal - já nem cabem na sigla. As iniciais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária cabem no Incra, mas o Incra já não cabe no Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual deveria subordinar-se. Em tese, os ministérios mandam nas siglas. Mas o Incra e o Ibama são mais antigos, e seus chefes tratam os ministros com o descaso do filho obrigado a conviver com um pai que nasceu depois.
As siglas fazem o que querem - ou o que interessa aos micropartidos e organizações misteriosas que as controlam com o consentimento do governo federal. No ano passado, o Incra foi paralisado por uma greve que começou em 21 de maio e só terminou em 3 de agosto, depois de atendidas as exigências dos rebelados. Durou 75 dias a guerra movida pelos empregados do Incra contra o governo a que devem o emprego. O Planalto fez que não era com ele.
Continuou inerme mesmo quando militante do MST passaram a hospedar-se sem pedir licença nos prédios desertos do Incra, para recuperarem as energias despendidas nas invasões de propriedades alheias. O governo nem sequer pareceu surpreso ao saber que a turma do Ibama também cruzara os braços, "em solidariedade aos companheiros do Incra".
Nesta segunda-feira, uma reportagem publicada pelo Jornal do Brasil comprovou que a bonita demonstração de amizade não abrandou o ânimo beligerante dos contemplados pelo gesto: o Incra vem ampliando dramaticamente a ofensiva destinada a varrer da face da Amazônia gigantescas porções de selva supostamente vigiadas pelo Ibama. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a Amazônia perdeu em 2007 quase 600 mil hectares de floresta. O ataque foi comandado por 25 entidades e indivíduos especialmente ferozes. Quem lidera o ranking da abjeção? O Incra.
Só em Mato Grosso, o Incra devastou 151 mil hectares em "áreas de especial preservação". A mutilação da selva resultou em multas que somam R$ 176 milhões.
Os dirigentes da sigla argumentam que é preciso abrir espaço para os assentamentos do MST e seus filhotes. E avisam que não vão pagar o que devem ao Ibama.
Se ainda ocupasse o cargo de superintendente do Ibama em Rondônia, o petista de carteirinha Oswaldo Luiz Pittaluga, um dos primeiros a aderir à greve de 2007, já estaria alistado nas tropas do Incra. Nomeado no primeiro dia da Era Lula, Pittaluga manteve-se no emprego mesmo depois de presentear entidades companheiras e guarnições da PM com toneladas de madeira apreendida pelo Ibama. Foi demitido, há semanas, porque até o Planalto achou demais a entrega de 36 motosserras e duas serrarias um certo Movimento Camponês Corumbiara, que vem ampliando criminosamente o assentamento infiltrado na floresta.
Entre as coisas que só dão no Brasil, a jabuticaba é certamente a menos espantosa.
(Por Augusto Nunes - Diretor Editorial - Grupo CBME-mail: augusto@jb.co,
Gazeta Mercantil, 21/08/2008)