A maior área de campos naturais da Amazônia, o Lavrado de Roraima, é um ambiente , que apesar das semelhanças com o Cerrado do Planalto Central, possui fauna e flora específicas.O número estimado por quilômetro quadrado de plantas é quatro vezes maior do que as savanas do Centro-Oeste brasileiro. São mais de 600 espécies animais registradas, muitas delas exclusivas desta região. Mesmo com a ameaça da expansão do agronegócio pairando sobre estes ricos ecossistemas amazônicos, ainda não existe um hectare sequer de área protegida nos 4 milhões de hectares de campos naturais em Roraima.
O lavrado de Roraima corresponde a mais de 2/3 das chamadas Savanas da Guiana, que se estendem entre Venezuela, Brasil e República da Guiana. Lavrado é o nome regional dado aos campos naturais de Roraima, uma paisagem parecida com os cerrados do Centro-Oeste brasileiro. Aliás, lavrado, campos e cerrado são sinônimos com origem na Língua Portuguesa. Savana é um termo indígena oriundo da América Central que foi incorporado à língua espanhola, e que passou mundialmente a designar estas paisagens de vegetação aberta encontradas na zona tropical do planeta.
Apesar de parecido com a paisagem do Centro-Oeste, os campos naturais de Roraima possuem uma diversidade estimada de espécies de plantas por quilômetro quadrado maior que a do cerrado (0,0125 espécie/km2 contra 0,0032 espécie/km2). Isto é por conta da maior extensão em área dos cerrados do Brasil Central, que dilui a densidade de espécies por unidade de área. Entretanto, o lavrado está no Hemisfério Norte, cercado pela Floresta Amazônica e pelo Planalto das Guianas, o que confere à paisagem características e evolução natural únicas.
Atualmente, a única garantia de conservação a este ambiente amazônico, são as 27 Terras Indígenas que cobrem cerca de 58 %por cento do lavrado Ainda assim, uma forma de proteção para lá de indireta . Todo o restante é ameaçado pelo agronegócio, com a expansão de culturas como soja, arroz, cana-de-açúcar e plantações de Acácia (Acacia mangium), para produção de celulose. "Já são cerca de 65 mil hectares de áreas ocupadas pelo agronegócio. Parece pouco, mas se a gente pensar que há alguns poucos anos não havia tinha quase nada, percebe-se que ele (o agronegócio) está entrando vai chegar aqui com força por aqui", afirma o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Roraima, o ecólogo Reinaldo Imbrozio Barbosa.
Não é por falta de proposta ou de pessoas empenhadas em proteger o lavrado. Reinaldo Barbosa faz parte de um grupo formado por Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Roraima, analistas ambientais do Ibama e Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boa Vista, que apresentou ao governo federal os planos para a criação do Parque Nacional do Lavrado, com 61 mil hectares, no Leste do Estado, entre a Serra da Lua e o médio rio Tacutu. A área representa apenas 1,5 % do total de campos naturais em Roraima.
Não é por falta de proposta ou de pessoas empenhadas em proteger o lavrado. Reinaldo Barbosa faz parte de um grupo formado por Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Roraima, analistas ambientais do Ibama e Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boa Vista, que apresentou ao governo federal os planos para a criação do Parque Nacional do Lavrado, com 61 mil hectares, no Leste do Estado, entre a Serra da Lua e o médio rio Tacutu. A área representa apenas 1,5 % do total de campos naturais em Roraima.
“Cerca de 210 espécies de aves ocorrem no lavrado”, segundo a proposta de criação do parque. Exemplos de endemismos são o joão-da-barba-grisalha (Synallax kollari) e o chororó-do-rio-branco (Cercomacra carbonaria), que estão na lista da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) de espécies ameaçadas. Entre as 158 espécies de cobras e lagartos registradas em Roraima, 76 delas ocorrem no lavrado, em muitos casos exclusivamente.
Além disto, a região é importante para peixes migratórios que chegam até o Tacutu e Uraricoera, formadores do rio Branco. Mas o conhecimento sobre os sistemas aquáticos do lavrado ainda são bastante limitados. Pouco se conhece, por exemplo, sobre a importância dos lagos temporários que se foram durante as chuvas e abrigam peixes que transitam entre os diferentes cursos d’água da região. Outro grupo pouco estudado é o de mamíferos.
Corrida contra a ocupação
Este foi o primeiro passo de um longo processo de criação que incluiu o levantamento ambiental da área pretendida e consultas públicas. O que os autores da proposta esperam é que o plano de criação do parque não seja mais um a esquentar a mesa do presidente Lula. Outra proposta de unidade de conservação em Roraima, a Reserva Extrativista do Jauaperi, nas matas do Sul de Roraima também espera aprovação do governo federal.
A área do Lavrado coincide com propostas de áreas protegidas apresentadas no Zoneamento Ecológico-Econômico de Roraima. Infelizmente, as matas da Serra da Lua, que ajudariam a enriquecer a paisagem do Parque, ficaram de fora dos limites propostos. A diferença de altitude entre a serra e a parte baixa contribui para a riqueza da biodiversidade da região e seria importante também protegê-la. “Infelizmente, já existem posseiros e agricultores em partes da Serra da Lua”, lamenta Reinaldo Barbosa.
Apesar de deixarem o maciço da Serra da Lua fora dos limites do parque, os autores destacam a importância de preservar as matas que existem ali e sugerem que ela seja totalmente incorporada à zona de amortecimento. “Sua inclusão é relevante por tratar-se de uma Área de Proteção Permanente que é berço de três importantes bacias hidrográficas. Além disso, a heterogeneidade da paisagem observada na região indica uma alta riqueza de espécies e, possivelmente a presença de espécies endêmicas, devido à estratificação vertical da paisagem”, afirma o texto da proposta apresentada ao governo federal.
A área do futuro parque também não está livre de ameaças, o que reforça a necessidade de rapidez em sua criação. A maior delas é o asfaltamento da RR-170, um caminho que pode encurtar em 50 quilômetros a distância entre Manaus e Boa Vista. Segundo os autores da proposta de criação do Parque Nacional do Lavrado, a pavimentação da estrada vai abrir uma nova frente de atividade agropecuária e, em conseqüência, uma ameaça à biodiversidade e funções ecológicas do entorno da reserva.
A possibilidade de conexão com Terras Indígenas e Áreas de Preservação Permanente é importante, segundo os autores da proposição, para a criação de corredores ecológicos. Os pesquisadores e analistas destacam também a importância da unidade para os estudos científicos sobre o lavrado. “A criação de uma UC nesta região vai favorecer a realização de estudos sistemáticos e de longa duração, facilitando a comparação com estudos realizados em outras regiões. Sua localização em áreas de ecótonos (Zona de Transição) com florestas e campinaranas, além da existência do complexo da Serra da Lua ainda em ótimo estado de conservação, indica que a região deve abrigar alta diversidade de espécies”, sustenta a proposta.
A criação do parque não garante a preservação de toda a diversidade existente no lavrado de Roraima, apenas uma amostra desta região especial, não só do ponto de vista ecológico, mas também histórico. A ocupação do extremo norte brasileiro está relacionada à criação extensiva de gado, trazido pelos portugueses no século XVIII e que mais tarde abasteceu o mercado de Manaus no auge do período da borracha, entre 1890 e 1910.
Área Úmida
Outra idéia que pode ajudar a conservar os campos naturais de Roraima foi apresentada durante a 8ª Conferência Internacional de Wetlands (Intecol). O ornitólogo Mário Cohn-Haft, do Inpa propõe incluir os campos naturais da Amazônia entre as áreas úmidas. “O Brasil é signatário da Convenção de Ramsar, que dispõe da necessidade de reconhecer a importância internacional de certos exemplos de áreas úmidas”, afirma Cohn-Haft. Áreas úmidas, segundo ele, são aquelas que dependem, para existência e manutenção, de serem encharcadas durante pelo menos parte do ano, o que ocorre nos Campos Amazônicos.
O pesquisador explica que, pelos critérios de da convenção, todos os Campos Amazônicos se qualificam a serem reconhecidos como áreas unidas de importância internacional, “por serem exemplos de ambientes singulares e únicos, por manterem populações de elementos da biodiversidade únicos, como espécies endêmicas, por hospedar e manter populações de espécies ameaçadas e a importância no ciclo de vida de outras espécies".
Conh-Haft reconhece que o lavrado de Roraima é um caso particular, em que a inclusão entre as áreas úmidas seria um pouco mais complicada, devido à diversidade de ambientes encontrados na região. “O que chamam de lavrado, na verdade, é um mosaico de um monte de coisas”, afirma. Mas ele tem uma teoria, que ainda não foi publicada, de que originalmente lavrado era uma região alagável, que foi ampliada pela ação do homem, em um processo que começou antes mesmo da chegada dos Europeus.
Em termos simplificados, segundo a tese de Cohn-Haft, os Campos Naturais de Roraima são formados por áreas alagadas ou de origem recente, que tiveram a paisagem alterada, a partir da chegada dos primeiros habitantes à região. Os Campos Naturais originais seriam as áreas mais baixas, que sofrem alagação ou têm o solo encharcado durante a época de chuvas, que vai de abril a setembro. As encostas de montanhas e áreas mais altas seriam, antigamente, cobertos por uma floresta seca, que ainda pode ser encontrada em vários pontos da região. “De alguma forma, o fogo usado na agricultura subiu nestas encostas e consumiu a floresta”, defende.
Uma das evidências vem dos estudos de pássaros da região. Segundo ele, nenhuma espécie de ave existente na região se originou há menos de vinte mil anos. “Se estivesse como está há mais de vinte mil anos, teríamos mais espécies exclusivas, mas no lavrado existem apenas dois pássaros que não são encontrados em nenhuma outra região, e mesmo assim, vivem em matas de galeria”, explica.
De qualquer forma, isto não impede que o lavrado seja considerado, pelo menos em parte, área úmida, o que dá razões a mais para a proteção deste ambiente característico de Roraima. Cohn-Haft lembra outros argumentos em favor da defesa do lavrado, bem conhecido dos que defendem a criação do Parna, os Campos Naturais são importantes para o ciclo de vida de aves aquáticas, como o tuiuiú, conhecido como Passarão no estado, garças e biguás. Além disto, formam cabeceiras de rios e igarapés, formadores do principal rio de Roraima, o Branco, e onde diversas espécies de peixes se reproduzem. Sobram razões para proteção do Lavrado, agora só falta vontade a quem toma as decisões no Cerrado Planalto Central.
(Por Vandré Fonseca*, OEco, 21/08/2008)