Parcerias dessa natureza mostram a falta de um projeto social e verdadeiramente público para as instituições do país“Desconcertante”. Assim o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, classifica o convênio entre a Universidade de São Paulo (USP) e a transnacional estadunidense Monsanto. O professor avalia que, mesmo sem ler o contrato, somente o fato de uma instituição de ensino pública fazer uma parceria com essa empresa já é complicado. “Ela atua num campo de atividades econômicas que está no cerne de uma problemática mundial. Há um vasta bibliografia sobre a forma nefasta, irresponsável, anti-social e anti-ambiental que a Monsanto atua no mundo. Esse convênio soa como uma derrota de projeto da universidade pública pelo fato dela recorrer financeiramente a uma empresa como essa”, acrescenta.
A professora de Faculdade de Educação da USP, Lisete Arelaro, mostrou-se bastante preocupada com o projeto. “Não dá para ninguém na USP achar que a Monsanto é benemérita”, opina. Ela afirma que ficou surpresa ao ver que foi aceito um convênio com uma empresa tão polêmica: “Normalmente, a USP não faz parcerias com empresas dessa natureza, porque não quer prestar explicações. Não as nega por motivos ideológicos, mas para não ter 'dor de cabeça'. Quando a Shell passou a ter sua ação denunciada em Paulínia [a transnacional produz agrotóxicos na cidade paulista e coleciona inúmeras denúncias de contaminação de lençóis freáticos, a maioria admitidas pela própria empresa], ela buscou a USP para uma parceria, que foi negada”, relata a educadora.
ImagemLisete conta que diversas transnacionais disputam parecerias com a USP. “Não tenho dúvida de que juntar-se à USP legitima uma empresa. O que se pensa é: se o convênio foi feito com essa transnacional é porque ela é idônea e a proposta é boa”, avalia. Entretanto, as empresas não ganham apenas ao se vincularem institucionalmente à USP, mas com a pesquisa propriamente dita.
Leher, que já foi presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) – e é doutor pela USP –, afirma que mesmo já tendo visto inúmeros contratos entre instituições públicas de ensino e empresas, a primeira minuta o surpreendeu. “Fiquei perplexo de ver como a USP – uma instituição respeitada, com excelentes professores e estudantes, com uma contribuição enorme para a educação brasileira – se propõe a assinar um contrato tão neocolonial”, analisa. Mais preocupante ainda é que o acordo tenha sido sugerido dentro da própria universidade. “É triste ver que isso surge de dentro, que não é nenhuma imposição de fora”, diz. Mesmo com as alterações, Leher pontua que ao referendar o projeto, a USP “abre mão de seus valores mais preciosos e nega a tradição crítica construída a duras penas dentro dessa instituição”.
Quanto ao sigilo, o educador afirma que é, infelizmente, algo usual em convênios desse tipo. “A Fundação Universitária José Bonifácio, da UFRJ, tem contratos em sigilo com a Petrobras”, cita. Embora comum, Leher condena a prática, oposta aos deveres da universidade, “que deve ser um espaço de livre circulação do conhecimento, liberdade, criação, socialização e crítica dos conhecimentos estabelecidos, atenta à repercussão negativa da ciência para a sociedade e o meio-ambiente”, conclui.
AdolescentesOutro ponto problemático é o público-alvo do convênio: estudantes do ensino médio. “Como uma empresa que tem esse perfil pode ser uma fonte reconhecida como legitima de apoio a uma atividade educativa? De formação sobretudo de jovens?”, questiona Leher, para quem esse caso mostra como a universidade pública tem perdido seus referenciais de valores, princípios e ética.
Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), vê positivamente projetos que procurem a aproximação do ensino médio e superior públicos, mas condena a busca por financiamento privado. “Algum retorno a iniciativa privada vai querer. Como será estruturado o curso, o currículo?”, questiona. Para Maria Izabel, se a Secretaria de Educação propôs o projeto à USP, deveria também ter garantido seu financiamento. A medida, entretanto, não chegou a surpreender a educadora. Ao seu ver, essas iniciativas se inserem dentro do modelo de gestão educacional do governo estadual tucano. “Não há um projeto educacional, não se pergunta qual tipo de estudante queremos formar. Essa união com a iniciativa privada acelera a perda da autonomia da escola pública”, finaliza.
(Por Dafne Melo,
Agência Brasil de Fato, 13/08/2008)