Sem esperar pela aprovação de uma lei que instituirá a Política Nacional de Resíduos Sólidos que, se aprovada como está, responsabilizará os geradores de resíduos pelo "reaproveitamento na forma de novos insumos, seja em seu ciclo ou outros ciclos produtivos", já entrou em expansão um novo ramo de negócios que promete proporcionar às empresas soluções seguras nesse campo.
Fundada em 2002 pelo auditor ambiental Marcelo Oliveira, em São José dos Campos (SP), a GM&C Logística é uma delas. Segundo seu diretor, conta com uma área de 2 mil metros quadrados para a recepção de materiais e com 10 mil pontos de coleta em todo o país. Entre seus 15 clientes, estão as operadoras de telefonia móvel Claro, Oi, TIM e Vivo, além das fabricantes Sony Ericsson e Siemens.
Por meio da internet, esses clientes podem usar uma ferramenta que a empresa desenvolveu para rastrear o caminho dos eletroeletrônicos descartados pelos consumidores, que começa com a coleta e termina na destinação final escolhida pelos clientes. Segundo Oliveira, alguns preferem a trituração, feita pela Umicore, empresa de origem belga que elimina o produto após a retirada de alguns elementos reaproveitáveis, evitando o encaminhamento para o mercado paralelo. Outros optam pela descaracterização, feita pela Belmont Trading, que envolve a desmontagem e separação. No caso das pilhas e baterias, todas são encaminhadas à Suzaquim.
Em 2007, diz Oliveira, 30 toneladas de resíduos foram reciclados por meio da GM&C. Para 2008, a estimativa é movimentar cinco vezes mais. Desse total, pelo menos 50 toneladas serão de aparelhos celulares.
Não é a única do setor. Instalada em Paulínia (SP), a Oxil também promete serviços da área, que incluem igualmente a coleta e descaracterização ou destruição, e o gerenciamento dos resíduos em conformidade com as normas legais. A empresa declara que processa 2 mil toneladas de produtos por ano, por meio da manufatura reversa.
Interamerican, em São Bernardo do Campo (SP); TGC, em Guarulhos (SP); Lorene, Sir Company e Sanlien, na capital paulista, são outras empresas especializadas na destinação de eletrônicos, que estão listadas pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), organização formada por grandes empresas para lidar com o tema. Uma diversidade que torna ainda mais difícil saber quantos aparelhos ou baterias de celulares são reciclados por ano.
A projeção de vendas de aparelhos celulares no país é de 48,8 milhões neste ano, contra a instalação de apenas 18 milhões de novas linhas móveis. Basta esse número para adivinhar o potencial dos cuidados com o pós-consumo de eletrônicos. No entanto, nenhuma empresa ou associação do setor arrisca um percentual que corresponda à atual taxa de destinação e reciclagem desse lixo eletrônico.
Em julho, uma pesquisa da Nokia, líder mundial na produção de celulares, buscou informações num universo de 6,5 mil respondentes em 13 países. Descobriu que só 3% entregam os aparelhos antigos para reciclagem. No Brasil, esse índice cai para 2%. No mundo, segundo o estudo, 44% dos consumidores abandonam antigos aparelhos em casa, 25% os doam para amigos ou familiares e 16% os vendem. Dos brasileiros consultados, 78% declararam não considerar a reciclagem, e 32% avisaram que ainda conservam os aparelhos em desuso.
Desconhecimento foi a principal causa alegada para o não encaminhamento para reciclagem. Mesmo que a informação raramente seja dada por quem vende, as principais operadoras e fabricantes de aparelhos informam sobre como realizar esse encaminhamento em seus sites. Em geral, é preciso levar até uma revenda da marca e não há remuneração pela devolução.
Baterias de celulares mais modernos contêm lítio que, como as pilhas alcalinas, escapam da reciclagem obrigatória prevista na Resolução Conama 257/99, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que normatiza o descarte de pilhas usadas. É o contrário dos 30% de pilhas vendidas no mercado paralelo, em geral produzidos na China, com até dez vezes mais cádmio e mercúrio que o permitido pela lei brasileira, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Essas não poderiam ser encaminhadas para aterros urbanos.
Presidente do Conselho de Logística Reversa do Brasil (CLRB), estruturado em 2007 e lançado em março de 2008, o professor Paulo Roberto Leite ensina que o campo da logística reversa vai muito além do pós-consumo. Entre outros, compreende a movimentação do pós-venda de qualquer linha de produtos, que abrange devoluções de defeituosos, ou desistência de compra, que no e-commerce é de 10%. Também incorpora a assistência técnica, o transporte e a destinação de mercadorias que ultrapassaram o período de validade nas lojas.
Hoje, diz ele, com a perspectiva de lidarem com a devolução dos produtos no pós-consumo, ou responsabilização pelos resíduos que geram, muitas companhias investem no rededesenho. HP, Toshiba e Dell são exemplos de corporações que repensam o uso de soldas, que dificultam desmontagem, e querem diminuir a variedade de plásticos que compõem os artigos eletrônicos. Mesmo citando estatísticas internacionais, que calculam em 10% o reaproveitamento dos resíduos eletrônicos no mundo, Leite avisa que os números da logística reversa não são expressivos.
Outro exemplo de indústria da área de informática que prepara o pós-consumo de seus produtos é a Lexmark, empresa criada em 1991, a partir da IBM. Por meio da manufatura reversa, realizada em parceria com a Oxil no Brasil, a indústria informa que alcança o reaproveitamento de 97% dos metais, plásticos e outros materiais presentes nos suprimentos. Além disso, investe em melhorias tecnológicas nos produtos que gerem ganhos de eficiência, redução nos custos e no consumo de recursos naturais. É o caso do uso do papel. Segundo a Lexmark, do total do lançamento de carbono na atmosfera derivado da impressão doméstica ou empresarial, o consumo de papel corresponde a 80%. Racionalizar este uso, de acordo com a empresa, significa cortar emissões.
Para Leite, está no caminho certo a nova versão do projeto de lei que instituirá um marco legal para os resíduos sólidos, encaminhada pelo deputado Arnaldo Jardim (PPS/SP) com um capítulo sobre logística reversa. Traz regras genéricas, permitindo tratar de especificidades durante a regulamentação.
(Por Silvia Czapski, Valor Online, 20/08/2008)