O deputado federal Arnaldo Jardim (PPS/SP) está otimista com os debates do Congresso sobre resíduos sólidos e acredita que uma política nacional seja votada até o fim do ano. Ele coordena um grupo de parlamentares debruçados sobre mais de 140 propostas legislativas, apresentadas desde 1991. Mas a trilha para que o Brasil tenha uma melhor gestão do lixo envolve questões como a polêmica responsabilização de geradores pela coleta e destinação de rejeitos.
"Quem produz deve ter responsabilidade pelo destino do resíduo, do processo industrial ou das embalagens e outros itens em descarte final", diz Jardim.
A medida também é defendida pelo governo e organizações não-governamentais, que vêem no repasse de custos ao setor privado uma alternativa viável e consolidada em países europeus. A idéia envolve o uso dos canais de distribuição de mercadorias para a coleta dos descartes, a chamada logística reversa. "Não há motivo para tanta resistência (industrial). As ações não serão unilaterais, serão regulamentadas após a aprovação da lei, quando todos os setores serão novamente chamados ao debate. Não haverá prejuízos ao desenvolvimento econômico", afirma Silvano da Costa, diretor de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Conforme a coordenadora-executiva do Instituto Polis, Elisabeth Grimberg, a gestão de lixo no Brasil é um "crime ambiental" cuja conta é paga exclusivamente pela população. Nove entre dez municípios brasileiros têm coleta de lixo, mas seis em cada dez quilos de resíduos acabam em lixões a céu aberto. "A sociedade arca com todas as despesas. Com uma política, teríamos mais recursos para dar um fim correto aos resíduos e diretrizes para coletar e aproveitar materiais que hoje simplesmente são jogados fora", ressalta a mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Segundo o presidente da consultoria Instituto Brasil Ambiente, Sabetai Calderoni, o Brasil desperdiça todos os anos cerca de R$ 10 bilhões , só por não aproveitar o lixo domiciliar. A conta chegaria às alturas se fossem incluídos resíduos da construção civil e dos variados ramos da indústria. "Poderíamos reduzir impactos na saúde e no meio ambiente e a pressão sobre recursos naturais, elevar taxas de reciclagem, gerar empregos e oportunidades industriais", comenta o pesquisador.
Calderoni ressalta o modelo da Alemanha, onde milhares de carcaças se acumulavam sem qualquer uso. O setor automotivo foi estimulado a usar peças biodegradáveis, economizar energia e matérias-primas e a simplificar modelos de produção. "Isso trouxe grande aproveitamento de metais, vidros e borrachas", conta. Lá, as vendas de veículos podem ser taxadas, garantindo um melhor fim aos resíduos. Quanto mais amplas as possibilidades de reuso, menores as taxas. "Modelos produtivos foram revolucionados em países que adotaram boas práticas na gestão de rejeitos."
Para a gerente de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Grace Dalla Pria, a logística reversa não é a melhor alternativa para a gestão nacional de resíduos. Segundo ela, o setor não pode ser responsabilizado pelos atos dos consumidores. "Não há controle sobre o que o consumidor faz com o produto depois do uso, mas quem tem endereço e CNPJ é a indústria. Daí fica fácil apontar o bandido", comenta. Ela não exime a indústria de responsabilidades, mas pede que as mesmas sejam equilibradas. "Não será com um jogo de empurra-empurra de responsabilidades que se resolverá o problema dos resíduos."
Elisabeth Grimberg, do Instituto Pólis, comenta que padrões de produção, de consumo e de distribuição não são debatidos com os consumidores. "A sociedade não pode arcar sozinha com custos de processos onde não participa das decisões. Não adianta seguir produzindo, vendendo e poluindo nos mesmos padrões", diz. "É preciso reduzir a geração de lixo", completa Costa, do MMA.
Dalla Pria, da CNI, também comenta que o projeto de lei deve ser mais do que um instrumento de proteção ambiental, estimulando a reintrodução de resíduos em cadeias produtivas com incentivos econômicos e fiscais. "A valorização econômica de co-produtos irá gerar menos resíduos inservíveis", diz. "No entanto, o sistema tributário ainda não tem nada que estimule essas ações e nem o uso de aterros adequados", afirma.
O deputado Arnaldo Jardim (PPS/SP) lembra das latinhas de alumínio, produto do qual o país é recordista mundial de reciclagem. "Isso acontece porque se fechou a questão econômica. Se o papel reciclado tivesse benefícios fiscais, seria mais barato que o convencional", diz.
Gerenciar resíduos também pode beneficiar com empregos formais os quase um milhão de catadores no país e reduzir a demanda por novos aterros. Quanto mais se reaproveitam, menos se enterram resíduos. A cidade de São Paulo já gasta R$ 500 milhões anuais em coleta e destinação de lixo. "Áreas para aterros são cada vez mais escassas. Essa equação é impossível de se manter", ressalta Calderoni. Outra meta é cortar emissões de gases que prejudicam o clima global. Nesse sentido, vários países adotaram políticas para reduzir sua dependência por aterros e gerar eletricidade com resíduos.
A média européia para geração de energia com resíduos é de 35%, com destaque para a Dinamarca (80%). Os Estados Unidos usam 13%. O método mais usado é a incineração, algo já testado na Usina Verde, no Campus da Ilha do Fundão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A planta funciona há quatro anos, queima 150 toneladas diárias de lixo e gera 3,3 MWatts/hora, suficientes para abastecer a própria usina e 14 mil residências. "Gerar energia de forma alternativa é cada vez mais interessante, pelos custos sociais e ambientais das fontes convencionais. O Brasil está na contramão do mundo quando prioriza aterros sanitários", diz o diretor Luiz Carlos Malta.
(Por Aldem Bourscheit, Valor Online, 20/08/2008)