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contaminação com agrotóxicos
2008-08-20

Exóticas, nativas, frutíferas. Praticamente todas as variedades de árvores na região de São Borja, na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, estão sendo atingidas por um mal que começa esbranquiçando as folhas, depois os caules e termina por matar as plantas. O agrônomo Darci Bergmann afirma que é um agrotóxico, o Clomazone, vendido pela empresa FMC sob o nome comercial de Gamit, que está devastando os arvoredos na zona rural, nas imediações de lavouras, e até na cidade.

Presidente da Associação Sãoborjense de Proteção ao Ambiente Natural (Aspan), Bergmann encaminhou uma denúncia ao Ministério Público da cidade no ano passado, depois que perdeu 5 mil mudas de árvores do seu viveiro, na área urbana. Um vizinho dele borrifou com o agrotóxico o pátio a 50 metros de distância e, mesmo isoladas por uma barreira de árvores e um muro, as mudas foram atingidas e morreram.

O agrônomo não tem nenhuma dúvida de que a causa é o agrotóxico: “De uns anos para cá começamos a observar uma mortandade muito grande de árvores, principalmente de cinamomos, que começam a apresentar sintomas de citotoxidade, com uma característica que é o branqueamento na folha, e o único produto que causa essa característica é o Clomazone”, diz Bergmann.

Também estão morrendo canafístulas, timabaúvas, anjicos e frutíferas. A única árvore que parece resistir sem problemas é o eucalipto. Um produtor de tomates, Marino Dani, perdeu 14 mil pés, toda a sua produção: o agrotóxico foi aplicado numa lavoura a 2 mil metros de distãncia e 13 dias depois todo o tomateiro estava morto.

Herbicida autorizado
O Clomazone tem aplicação autorizada pelo Ministério da Agricultura como hercibicida usado para combater os inços nas plantações de arroz, pulverizado principalmente por meio da aviação agrícola. Por coincidência, nos últimos anos este setor cresceu na fronteira, se antes havia dois ou três aviões em São Borja, hoje só uma das empresas de aviação agrícola do município tem 12 aeronaves operando, relata Bergmann.

Como o Clomazone é muito volátil, ele se desloca longe, indo atingir arvoredos distantes vários quilômetros das lavouras, especialmente nos meses mais quentes, que favorecem a evaporação e dispersão do produto, garante Bergmann, que mostrou à EcoAgência várias plantas atingidas e uma pilha de documentos, com registros, relatórios e fotos de diversas matas da região devastadas pela mortandade de árvores.

Segundo ele, a fiscalização da aviação agrícola feita pelo Ministério da Agricultura é frouxa, com base em relatórios preenchidos pelas próprias empresas. Muitas vezes os aviões soltam o agrotóxico em alturas acima das permitidas, ou antes ou depois dos limites das lavouras, pois é muito difícil ter a precisão necessária nos vôos. Outra coincidência: as primeiras árvores a morrer nas proximidades de lavouras pulverizadas por Clomazone pelos aviões são sempre as mais altas.

Aplicação na cidade
Para evitar problemas, alguns agricultores voltaram a usar pulverizadores puxados por tratores. Mas mesmo na aplicação terrestre o produto vai longe. Algumas pessoas levaram o agrotóxico para acidade, aplicando manualmente nos inços dos seus pátios e provocaram a morte de árvores nas vizinhanças, a até 300 metros de distância.

Foi assim que Bergmann perdeu suas mudas, ano passado. “É uma tragédia o que está acontecendo, o maior impacto sobre a biodiversidade na medade sul, hoje, chama-se herbicida”, alerta o agrônomo e ambientalista. Não há comprovação ainda de danos à saúde humana, mas consta que uma senhora teria passado mal ao comer alfaces atingidas pelo Clomazone na área urbana, em função de uma aplicação distante.

“Provavelmente tenha efeitos na saúde, todo o ecossistema fica comprometido quando a cadeia inicial é afetada”, diz Bergmann. Ele alerta ainda para o 2,4 – D, outro agrotóxico largamente usado na região, e que está tendo seu registro reavaliado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ibama e Anvisa
Os registros com autorização para comercialização são concedidos pelo Ministério da Agricultura, mas somente com autorização do Ibama, que avalia os impactos no ambiente, e da Anvisa, responsável por avaliar os efeitos na saúde.

Bergmann entende que o produto, comercializado pela empresa FMC, de São Paulo, deve ter cassado o seu registro. “Esse tipo de produto não tem condições de de estar no mercado, não existe aplicação de Clomazone ou Gamit que seja segura, os testes foram feitos em canteiros pequenos e provavelmente omitiram algum dado, como a volatilidade, faltam análises, estudos”, disse.

Consultada, a Anvisa, em Brasília, respondeu: “O produto em questão, de acordo com o conhecimento científico que existe até o momento, não mostra risco à saúde humana (trabalhadores e consumidores), desde que usado da maneira correta. Quanto ao risco ambiental, só o Ibama pode responder”.

O Ibama, em Brasília, respondeu que até o momento não tinha registro de denúncia contra esse produto. "Informamos que a Coordenação Geral de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas - CGASQ, da Diretoria de Qualidade Ambiental do IBAMA, unidade responsável pela avaliação, registro e controle dos agrotóxicos, até o momento, não havia recebido nenhum outra denúncia de fatos como esses associados ao produto citado", informou o órgão.

"Faz-se necessária, mediante apuração detalhada dos fatos, verificar se os danos identificados decorrem do uso do agrotóxico em conformidade com as recomendações técnicas ou do uso incorreto. Se o primeiro caso for verificado, o produto deverá ser reavaliado e, dessa nova avaliação seu uso poderá ser mantido mediante revisão de condições, ter o uso restrito ou até mesmo cancelado. Caso se verifique que os danos decorrem do mau uso, apenas caberá responsabilização e reparo dos danos, por quem for de direito", conclui a resposta do Ibama, enviada por sua assessoria de imprensa.

(Por Ulisses A. Nenê, EcoAgência, 19/08/2008)


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