Morar ao lado de um cemitério não parece ser uma idéia muito agradável para a maioria das pessoas pelo motivo mais óbvio, o medo dos mortos. O que pouca gente imagina é que esse temor é válido, mas não por questões sobrenaturais. O perigo é invisível e chega através da decomposição dos corpos, que gera um líquido viscoso e mal-cheiroso altamente contaminante para a terra e os lençóis freáticos. O estudo pioneiro desse e de outros tipos de contaminação do solo e das águas subterrâneas é uma das mais importantes linhas de trabalho desenvolvidas pelo Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas), órgão interdepartamental do Instituto de Geociências (IGc) da USP existente desde 1983.
A formação de pesquisadores e pessoal habilitado na área de hidrogeologia é um dos pontos fortes do órgão, que ainda realiza levantamentos de dados geofísicos e consultoria técnica para pessoas, empresas e órgãos públicos, particularmente focados no problema da poluição subterrânea. “A nossa intenção é a de ser um difusor de conceitos, metodologias e inovações nesse campo”, conta o professor Uriel Duarte, coordenador do Cepas. “Hoje há uma infinidade de firmas prestando serviços de consultoria sobre contaminação de solos e águas subterrâneas, e muitas delas tiveram origem nos estudos do Cepas”, afirma.
Outra linha de atuação do Cepas são os convênios e parcerias firmados com prefeituras de diversas cidades paulistas como Guararapes, Atibaia, Osasco e Mauá para a resolução de problemas ambientais, envolvendo particularmente lixões e aterros sanitários. Segundo Duarte, esse auxílio acaba sendo uma via de mão dupla, pois é a oportunidade para muitos alunos do IGc desenvolverem suas pesquisas em campo. Segundo o técnico do Cepas Fernando Augusto Saraiva, nos últimos cinco anos o órgão colaborou com 30 mestrados, 20 doutorados e 20 trabalhos de formatura do IGc. E o serviço cujas solicitações mais cresceram nos últimos anos são os trabalhos de perícia, especialmente para juízes das varas cíveis de São Paulo em questões ambientais.
Cemitérios e meio ambiente
Pioneira, a linha de pesquisa do Cepas que estuda a contaminação ambiental causada pelo corpo em desintegração foi desenvolvida inicialmente pelo também professor Alberto Pacheco, do IGc. “A contaminação causada pelos cemitérios era um tema pouquíssimo estudado até pouco tempo, até mesmo pelo tabu em torno da questão da morte”, explica Fernando.
A maior ameaça oriunda dos túmulos é um líquido de coloração acinzentada produzido pela ação de microorganismos no corpo em decomposição, o chamado necro chorume, que pode poluir facilmente o o solo e o aqüífero subterrâneo. Composto por 60% de água, 30 % de sais minerais e 10% de material orgânico, esse material carrega uma série de microorganismos causadores de doenças como tétano e hepatite, entre outras infecções, além de conter substâncias altamente tóxicas, como a cadaverina e a putrescina.
O Cepas desenvolve no campus de Pirassununga da USP uma área experimental que procura reproduzir as condições de um subsolo de cemitério, com corpos de animais mortos enterrados. “Entre outras coisas, procuramos comparar como se dá a migração dos efluentes gerados pelos corpos em decomposição no solo, e quais técnicas geofísicas podem detectar melhor essa migração”, explica o técnico do Cepas.
Os trabalhos inovadores feitos no órgão do IGc já produziram algumas mudanças na prática. Em abril de 2003, por exemplo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) publicou uma resolução específica para a adequação ambiental de cemitérios. Alguns desses estabelecimentos também passaram a adotar outras medidas, como a retirada das alças de metal dos caixões logo após sua colocação no túmulo. “Os metais presentes nas maçanetas podem sofrer oxidação e se transformarem em contaminantes”, explica Fernando. “Isso mostra a que nível de detalhamento chegou hoje à legislação ambiental”, comemora o professor Duarte.
(Por Francisco Angelo, USP Online, 15/08/2008)