Moradores foram obrigados a instalar painéis de energia solar. Lei lançou um debate sobre as fronteiras da cidadania ecológica.
Marburg, na Alemanha, é uma cidade de conto de fadas presa no meio de uma luta utópica envolvendo energia renovável. A decisão do conselho de se exigir painéis de aquecimento solar lançou a cidade em um debate sobre as fronteiras da cidadania ecológica e levou opositores a acusar local de ter se transformado em uma “ditadura verde”.
O conselho da cidade tomou um passo significativo em junho, e em vez de simplesmente incentivar os cidadãos a instalar painéis solares, passou a exigi-los. A ordem, a primeira desse tipo na Alemanha, exigiria painéis solares não só em edifícios novos, ao que pouca gente se opõe, mas também em casas que já existem e que passam por reformas para adquirir novos sistemas de aquecimento ou precisam de reparos no telhado.
Para dar mais força à nova regulamentação, uma multa de mil euros será aplicada em quem que não a cumprir.
Críticos alardeiam que a regra constitui um ataque contra o direito de propriedade. O governo regional em Giessen interveio e alertou que isso poderia subverter a lei.
Representantes da prefeitura de Marburg disseram, por sua vez, que levariam o caso ou à corte administrativa ou até a capital hessiana do estado, onde eles tentariam modificar as leis de construção para proteger a regulamentação de oficiais em Giessen.
‘Contraproducente’
No meio desse jogo de xadrez político, estão proprietários de imóveis como Götz Schönherr.
De seu terraço, Schönherr pode ver o famoso castelo gótico da cidade no alto da colina, assim como dois de seus três moinhos de vento que produzem energia eólica. No telhado da casa dele, um painel solar cintila com a luz do sol. Ele usa a energia solar para aquecer a água, o que permite desligar seu boiler por praticamente seis meses por ano, um presente para seu bolso, mas uma decisão tomada, segundo ele, em nome do meio ambiente.
Ainda assim, Schönherr é contra a nova regulamentação.
Schönherr pretendia renovar o isolamento de sua casa, mas, para fazê-lo atendendo às exigências, ele teria que instalar um painel solar maior. Isso custaria para ele cerca de US$ 8 mil.
“No meu caso, e acredito que com outras pessoas também acontece isso, simplesmente dizemos ‘bom, então não vamos isolar mais o telhado’”, disse Schönherr. “Sendo assim, é absolutamente contraproducente”.
Oficiais do governo em Giessen concordam. “Não temos nenhum problema com o uso da energia solar”, disse Manfred Kersten, porta-voz para a imprensa do governo regional em Giessen, “mas essa foi uma regulamentação mal-feita”.
País campeão
A Alemanha é um dos maiores campeões do mundo em redução de emissões de gases do efeito estufa e promoção de energias renováveis. Graças a subsídios federais substanciais, o país é, de longe, o maior mercado para sistemas fotoelétricos, que convertem a luz solar em eletricidade.
Marburg, a cidade universitária histórica onde os Irmãos Grimm estudaram, é um modelo brilhante de produção e consumo de energia. Além dos moinhos de vento e das instalações solares, a companhia de abastecimento da cidade compra energia hidroelétrica da Áustria e está adaptando sua frota de ônibus e outros veículos para gás natural, e até ilumina calçadas com lâmpada que funcionam com energia solar.
Como resultado, a disputa em Marburg às vezes parece uma briga entre os ambientalistas brilhantes e os ambientalistas realmente iluminados.
“Marburg já é líder quando se fala em uso de energia solar, mas eles sempre tentaram convencer a população, em vez de forçá-la”, disse Hermann Uchtmann, político de oposição por trás da acusação de “ditadura verde” que lidera um grupo de cidadãos locais, o Marburger Bürgerliste.
Como Schönherr, que também é membro do grupo, Uchtmann quase são se encaixa no estereótipo previsível do inimigo da tecnologia que se opõe às energias renováveis. Ele é químico em uma universidade local e uma vez construiu uma fábrica de dessalinização movida à energia solar para sua a cidade-irmã Sfax, na Tunísia.
“Não foi uma boa idéia decidir obrigar as pessoas, acho que dessa forma você cria opositores, em vez de amigos da energia solar”, disse Uchtmann. Ele afirmou achar as exigências demasiado invasivas para casas já existentes, especialmente no caso de cidadãos idosos que podem não viver o tempo suficiente para justificar os custos de implantação dos sistemas de energia solar.
“Eu mesmo sou contra”, disse Uchtmann, que tem 64 anos. Mas ele afirmou que apoiaria uma exigência dessas para novas construções.
Pelo fato de a cidade ter 80 mil habitantes e um nível populacional baixo, com poucas casas novas sendo construídas, limitar essa medida a novas construções não iria longe o suficiente para os políticos por trás dela.
Passo dramático
“Temos um problema de energia sério com as casas mais antigas”, disse Franz Kahle, vice-prefeito de Marburg, em uma entrevista no histórico edifício da prefeitura. Para realmente avançar, ele disse, um passo dramático era necessário.
“Antes, as instalações solares eram a exceção e a ausência delas era a regra”, disse Kahle. “Queremos atingir uma situação que seja justamente o contrário”. Ele observou que as leis de construção constantemente ditaram o que os proprietários podem e não podem fazer com seus imóveis e disse que a regulamentação da energia solar já previa exceções para casos de dificuldades ou alternativas para aqueles que vivem em áreas com muita sombra.
A proposta de Marburg, que deve se tornar efetiva dia 1º de outubro, atraiu a atenção de todo o país como um modelo para políticos ambientalmente engajados.
“O que estamos fazendo em Marburg é bom e avançado e nós, e outras cidades, precisamos seguir em frente com iniciativas similares a essa”, disse Birgit Simon, vice-prefeita de Offenbach am Main e membro do Partido Verde. Ela afirmou ter esperanças que uma coalizão dos partidos de centro-esquerda no parlamento pudesse mudar as leis de construção para fazer com que a regulamentação de Marburg seja sustentável e imitável.
Entre os cidadãos de Marburg entrevistados em uma tarde ensolarada, havia quase apoio universal para os objetivos da regulamentação, mas também muita confusão sobre a natureza exata desse projeto.
“Em princípio, é uma idéia excelente”, disse Cornelia Janus, 35 anos, que trabalha na universidade. Porém, ela questionou se os custos seriam altos demais e se os edifícios históricos e monumentais seriam protegidos.
“Para uma cidade como Marburg, isso também é muito importante”, ela disse, apontando para as igrejas e o castelo que reina na colina, e que atraem turistas de todas as partes do mundo.
(Por Nicholas Kulish, New York Times - G1, 15/08/08)