Cansados de promessas dos caciques do Ministério do Meio Ambiente, funcionários de parques, florestas nacionais e reservas extrativistas localizadas no estado do Amazonas decidiram botar a boca no trombone e escreveram um manifesto dirigido à presidência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Nele, fazem duras críticas à gestão das áreas protegidas na Amazônia. De acordo com as informações do documento, desde a criação do ICMBio, em maio de 2007, não houve investimento na melhoria da infra-estrutura e fiscalização dos parques. Além disso, reclamam do isolamento, pois não conseguem sequer contato com os cabeças do Instituto em Brasília.
“Não temos apoio institucional. Não temos segurança jurídica. Não conseguimos operar recursos financeiros. Não passamos a ter uma política de RH definida. Não temos um canal de comunicação confiável com a Sede. Não desburocratizamos nada. Não avançamos em nada!”, diz o manifesto, assinado por gente lotada em algumas das mais importantes unidades de conservação da Amazônia, como a Estação Ecológica de Anavilhanas e os Parques Nacionais do Jaú e do Pico da Neblina. O tom do manifesto, às vezes, é um tanto dramático: “E nós, gestores de UCs da Amazônia, gritamos diretamente da floresta: estamos mais isolados do que nunca!”, destaca certo trecho em letras garrafais.
Mas quem conversa com estes servidores ouve relatos que fazem crer que a situação está mesmo à beira do caos. A principal queixa é de que os pedidos e sugestões para investimentos nos parques e reservas da Amazônia não estão sendo ouvidos. Segundo os gestores, quando o ICMBio foi criado, após a polêmica divisão do Ibama, houve um chamado para que todos participassem do esforço de planejamento do novo órgão. A participação dos servidores, no entanto, não durou muito. Por decisão da ex-ministra Marina Silva, os planos de estruturação do ICMBio foram passados – sem licitação, aliás – para a consultoria Publix.
Os gestores também reclamam de isolamento na Amazônia. “Falta uma representação política do Chico Mendes e por isso sofremos pressões aqui”, diz a chefe da Estação Ecológica das Anavilhanas, Giovanna Palazzi. Ela explica que após a criação do Instituto, os servidores perderam o amparo que tinham da superintendência regional do Ibama, que no caso é quem representa melhor a autoridade ambiental do Governo Federal. “Nós sabíamos que não ia ser fácil a transição, mas nada avança, nos sentimos abandonados”, lamenta.
Compreensivo
No fim do manifesto, os técnicos do ICMBio afirmam temer represálias por sua atitude combativa. Mas repressão não será a resposta às críticas, diz o presidente do Instituto, Rômulo Mello, que já tem o documento em mãos. Em entrevista por telefone, ele afirmou “entender” a situação pela qual passam as unidades de conservação na Amazônia. “Não dá para dizer que estamos às mil maravilhas. Temos problemas”, admite. Ele afirma que destacará uma equipe para visitar o estado do Amazonas e coletar informações para responder às demandas expostas no manifesto.
Os percalços são frutos da estruturação do novo órgão. Segundo Mello, entre as medidas que estão sendo tomadas estão a transferência de mais servidores do Ibama para o Chico Mendes, além da nomeação de uma pessoa para a unidade gestora do Instituto no Amazonas. Atualmente, os recursos orçamentários aplicados nos parques do estado são gerenciados por unidades no Nordeste. Com a criação de sua própria divisão administrativa, o Chico Mendes deve ganhar agilidade na Amazônia. Mello promete ainda facilitar os gastos correntes nas unidades de conservação. Vários servidores receberam os famigerados cartões corporativos para arcarem com despesas de combustível e manutenção para veículos.
Entre muitos problemas apresentados pelos chefes das unidades de conservação, talvez o que mais chame a atenção seja a redução de investimentos do programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). Criado em 2002 com diversas doações internacionais, o projeto foi desenhado para garantir a sustentação financeira de parques e reservas em todo o bioma amazônico. Após quatro anos de investimentos vultosos na infra-estrutura de unidades como Jaú, Anavilhanas, Reserva Biológica do rio Trombetas e outras, o ARPA reduziu significativamente os recursos financeiros em 2008.
“Para completar o caos, o até então exitoso Programa ARPA/MMA, único que conseguiu contribuir de fato para a melhoria da gestão das unidades de conservação da Amazônia, anuncia em junho, de sopetão, um rombo no orçamento do Programa e suspende de imediato o apoio às UCs, sem apresentar explicações razoáveis”, esbraveja o manifesto.
Sem planejamento
Mariana Leitão, analista ambiental do Parque Nacional do Jaú, conta que os gastos correntes com combustível para barcos eram obtidos com o ARPA e que o orçamento planejado para 2008 previa muito mais recursos do que foram aprovados pela organização gestora do cofre do programa, o Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade). “Fomos avisados pela internet que não receberíamos o dinheiro previsto. Isso atrasou todo o planejamento”, diz Mariana.
O Funbio divulgou uma nota na qual esclarece que a queda da previsão inicial de 50 milhões de reais para algo em torno de 11 milhões de reais se deve ao fim da primeira fase do ARPA, que ocorre agora em 2008. O secretário-executivo do Fundo, Pedro Leitão, afirma que houve sim um erro de planejamento sobre a disponibilidade de recursos. Geralmente, o programa executa demandas de anos anteriores, mas sendo este o último ano, seus gestores tiveram que se ater a pedidos que poderão ser pagos ainda em 2008. “Houve falha no planejamento, é verdade. Mas há um dado positivo que foi a capacidade de execução alcançada pelo programa”, afirma Leitão.
A mesma opinião é compartilhada pelo diretor-geral da WWF Brasil, Cláudio Maretti. A organização participa como uma das principais doadoras para o ARPA. “As áreas do ARPA se acostumaram com um nível de apoio financeiro elevado. E neste ponto concordo com a carta dos servidores: isso não deve ser um luxo mas sim um modelo”, diz. Os aportes do programa, aponta Maretti, terão mesmo uma redução de investimentos em 2008 e talvez em 2009. Para suprir essa lacuna, os doadores, que além de WWF são, principalmente, o Banco Mundial e o governo alemão, pensam em aportar recursos extra.
Maretti cobra posição do governo. “A contra partida do governo tem que ir além do mínimo, neste momento”. No acordo do ARPA o governo federal se comprometeu a garantir pelo menos cinco funcionários por unidade de conservação na Amazônia. Como se sabe, estamos bem longe desta meta.
Leia o Manifesto dos Chefes das UCs da Amazônia
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