Em reunião realizada nesta quinta-feira (14/08), a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo (AL-SP), presidida pelo deputado José Candido (PT), debateu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja homologação está sendo questionada na Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá se reunir no próximo dia 27 de agosto para decidir sobre o tema.
Apesar do caráter informal da reunião, em decorrência da falta de quórum, o debate contou com a participação de Djacir Melchior da Silva, cacique macuxi (uma das etnias ocupantes da área); da antropóloga Lúcia Helena Rangel, conselheira da Comissão Pró-Indio da USP e assessora do Conselho Indígena Missionário; do advogado Aloísio Ladeira, da Diretoria de Assuntos Fundiários da Funai; e de Régis Gurgel Jereissati, procurador do Estado de Roraima.
Caso exemplar
Primeira a falar, Lúcia Helena Rangel classificou o caso da Raposa Serra do Sol com "exemplar". Segundo ela, a contestação do direito dos índios à terra demarcada está ligada a uma visão de desenvolvimento que se opõe à forma indígena de ocupação da terra e de reprodução social. "Os povos indígenas estão sendo desrespeitados", afirmou. "Facilmente não se leva em consideração o fato de que eles existem dentro da nação brasileira".
Para a antropóloga, os índios são produtores agrícolas e pecuários habituados a respeitar o equilíbrio natural e o Estado de Roraima, cuja população é majoritariamente indígena, depende da integração deles no sistema produtivo e comercial para crescer. Lúcia Helena Rangel também afirmou que a defesa da homologação da reserva é parte da luta pela recuperação dos direitos humanos e pela preservação de um território muito rico. "Não é por nada que os recentes conflitos surgiram, sobretudo, depois da demarcação da terra, em 1995", argumentou. "O número de assassinatos de índios na região dobrou nos últimos anos."
Questão de Estado
Aloísio Ladeira iniciou sua exposição recapitulando o histórico da demarcação e da homologação da reserva. Ele lembrou que desde os primeiros estudos, ainda na década de 70, o caso da Raposa Serra do Sol sempre foi tratada como uma questão de Estado, o que possibilitou a continuidade da linha de condução do processo e a conseqüente caracterização do território como terra indígena a ser demarcada de modo contíguo, conforme prevê a atual Constituição.
O advogado contestou alguns dos principais argumentos que, segundo ele, são freqüentemente utilizados para combater a homologação da reserva. O primeiro deles seria a afirmação de que se trata de muita terra para pouco índio. "Com 1,7 milhões de hectares, a Raposa Serra do Sol representa apenas 7,5% do território de Roraima, onde vivem apenas 400 mil habitantes", disse ele. Ladeira também não concorda com a tese de que as terras indígenas inviabilizam o desenvolvimento do Estado. "Além de serem produtivas, essas terras prestam relevantes serviços ambientais ao país, ao proteger florestas e savanas", afirmou.
Outro argumento contestado pelo advogado diz respeito ao problema da soberania nacional. "As terras indígenas são bens da União e, portanto, não há impedimento algum ao ingresso das Forças Armadas", declarou. Conforme o representante da Funai, essas terras são protegidas tanto por serem propriedade da União quanto por constituírem faixa de fronteira, com proteção militar prevista na Constituição.
Soberania
Representando o governo de Roraima, Régis Jereissati afirmou que o Estado tem domínio apenas sobre 12,41% do seu território, enquanto a União controla os outros 87,59%. "Como 46,7% do território é demarcado como terra indígena, a nossa soberania como ente federativo fica seriamente comprometida", declarou. O procurador apontou possíveis irregularidades durante o processo que culminou com a demarcação da reserva. Um delas seria a participação de uma única etnia, quando o território abriga outras quatro. Além disso, segundo ele, os municípios afetados não foram consultados.
Segundo Jereissati, a homologação da Raposa Serra do Sol nos termos da atual demarcação acarretaria êxodo rural de indígenas, acirramento dos conflitos entre as etnias e o isolamento dos próprios índios. "O Estado não contesta a existência de um território tradicionalmente indígena, mas a dimensão da área e o seu caráter contíguo". Na avaliação do governo de Roraima, o plantio de arroz afeta apenas 4,19% da área demarcada e gera 1.000 empregos diretos e 6.000 indiretos, sendo responsável por 25% do PIB estadual.
Violência
As afirmações de Régis Jereissati foram rebatidas por Djacir Melquior. Segundo ele, é preciso considerar o crescimento populacional dos índios para se entender o motivo da extensão e a contigüidade da área: a população indígena do território cresceu de pouco mais de 13 mil, em 2000, para os atuais 19.078. "Estamos pensando no futuro dessas etnias", afirmou o cacique macuxi.
De acordo com Melquior, não existe a possibilidade de atritos entre as diversas etnias. "Pelo contrário, a união desses povos aumentou nos últimos anos, inclusive com a criação de diversos organismos conjuntos", garantiu. O líder indígena também apresentou dados indicativos do crescimento da violência contra os índios na região, principalmente depois do conflito armado envolvendo seguranças de arrozeiros, em maio de 2007: 21 homicídios, 46 tentativas de homicídio, 86 ameaças contra a vida, 97 agressões físicas, 10 estupros, 33 prisões ilegais e 90 casas destruídas.
"Se quiséssemos violência não estaríamos aqui, mas teríamos resolvido o problema de outro modo", disse o cacique. "Acreditamos na Justiça e apostamos no cumprimento da lei, que nos protege".
(Por André Barros, Ascom AL-SP, 14/08/2008)