Após transferência para santuário de grandes primatas, em São Paulo, Ibama terá de devolver a circo dois macacos que sofreram maus-tratos, segundo determinação da Justiça. Órgão vai recorrer da decisão.
A queda-de-braço pelos animais do Le Cirque — que funciona no estacionamento do Estádio Mané Garrincha — continua. Após a operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para a retirada de bichos do circo, onde o órgão encontrou uma série de evidências de maus-tratos, dois chimpanzés e um hipopótamo foram levados ao Jardim Zoológico de Brasília na manhã dessa terça (12/08).
Com uma guia de trânsito do Ministério do Meio Ambiente, a dupla de primatas desembarcou ainda de noite em um santuário de chimpanzés, em Sorocaba (SP). O hipopótamo permaneceu no zoológico, onde há vaga para a espécie. Mas uma nova decisão da Justiça na tarde da quarta (13/08) determinou que o Ibama devolva os animais em 24h, sob pena de R$ 2 mil por dia.
O advogado Luiz Saboia e funcionários de Le Cirque chegaram ao Zôo na manhã da quarta para buscar os animais. Respaldados por liminar concedida pelo juiz Alaôr Piacini, da 9ª Vara Federal do DF — que nega a existência de maus tratos com base em relatórios antigos, de 2006 e 2004 — eles tentaram invadir o lugar. Houve tumulto e agentes da Companhia de Polícia Militar Ambiental foram deslocados para garantir a segurança. “Eles não nos comunicaram que iam levar os macacos e na guia diz que a finalidade é a pesquisa científica”, protestou George Stevanovich, dono do circo. À tarde, o juiz Piacini determinou o prazo de 24h para devolução dos bichos e a multa diária pelo descumprimento.
O coordenador de operações do Ibama, Antônio Gonme, afirmou que o órgão vai recorrer da decisão hoje pela manhã. “Temos todas as provas dos maus tratos e o juiz não leva isso em consideração”, protestou. Gonme nega irregularidades no transporte dos macacos para São Paulo. “Os animais foram apreendidos e nossa missão é buscar o melhor lugar para eles. Como não havia vaga no zoológico, procuramos santuários e reservas interessados”. Segundo ele, se a justiça manter a devolução, os bichos só poderão voltar para Brasília em cinco dias, pois devem se recuperar da primeira viagem. Na noite de quarta, Antônio registrou queixa de ameaça contra Augusto Stevanovich, um dos proprietários do circo, na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul).
Os dois chimpanzés adultos que viviam isolados em uma jaula de três metros quadrados no circo — 20 vezes menor que a área mínima exigida pelo Ibama — agora estão em um área verde de 500 metros quadrados, onde convivem com outros 44 primatas. A associação sem fins lucrativos de Proteção aos Grandes Primatas (GAP) fornecerá assitência médica e alimentação adequada. “Fui pessoalmente a Brasília buscar eles, que estão banguelos, tinham correntes nos pescoços e apresentavam altos níveis de estresse”, contou a presidente do GAP, Selma Mandruca. A associação internacional tem quatro santuários no Brasil, e além de recuperar e socializar animais maltratados, ele realizam pesquisas de observação do comportamento dos macacos.
A veterinária do Jardim Zoológico Lúcia Magalhães trabalhou no GAP por dois anos e cuidou dos animais antes da partida deles para São Paulo. “Quem perde com essa briga são os chimpanzés. Ele dizem que cuidam deles com se fossem filhos. Será que eles deixariam os filhos acorrentados em uma jaula enferrujada?”, questionou. No lugar, as normas do Ibama para a manutenção de animais silvestres são ignoradas. Na vistoria, foi constatado que a girafa usada nos espetáculos não tinha espaço para erguer o pescoço no cativeiro, os seis elefantes vivem em uma área de 25 metros quadrados — tamanho de uma quitinete — e estão abaixo do peso. O rinoceronte africano, com feridas nos olhos, também passa a maior do tempo enjaulado.
ENTENDA O CASO
Cassação de alvará
Cadu Gomes/CB/D.A Press/04/08/2008
Funcionarios trabalhavam no desmonte do Le Cirque, apos interdição
O Le Cirque recebeu alvará para funcionamento na cidade em 1º de agosto, concedido pela Administração de Brasília. Na sexta-feira passada, dia 8, a administração revogou o documento por recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que defendeu a realização de vistoria para averiguar as condições dos animais. Respaldados pela decisão do MPDFT, agentes do Ibama e da Companhia Ambiental da Polícia Militar visitaram o local e produziram relatório de 30 páginas, com fotos, denunciando o estado precário em que 14 animais viviam no lugar. Na quarta (13/08), os agentes ambientais apreenderam três bichos. Mas o advogado do circo conseguiu liminar judicial, também na tarde de ontem, para reaver os animais.
(Correio Braziliense, 14/08/2008)