Após meses de alta, os preços do petróleo agora estão em declínio. A "Spiegel" falou com o chefe da Agência Internacional de Energia, Nobuo Tanaka, sobre o futuro dos preços do petróleo, a crescente importância da energia nuclear e a quantidade de petróleo que resta no mundo
Spiegel - Sr. Tanaka, o senhor sabe qual foi a previsão de sua organização para o preço do petróleo em 2010, em um estudo realizado há três anos?
Tanaka - Não, eu não ocupava o cargo naquela época. Me diga.
Spiegel - Era de US$ 35 o barril.
Tanaka - Então estávamos muito errados.
Spiegel - Por que todos os observadores do mercado de petróleo, não apenas a Agência Internacional de Energia (AIE), erraram tanto suas estimativas para a evolução dos preços?
Tanaka - A demanda por óleo cru cresceu muito mais rápido do que o esperado, especialmente em mercados emergentes como a China e a Índia. Ao mesmo tempo, os países produtores não expandiram suficientemente sua capacidade de produção. Como resultado, o mercado se tornou extraordinariamente apertado.
Spiegel - O senhor está facilitando demais para si mesmo. As estimativas incorretas também se devem ao fato de haver poucos dados confiáveis neste mercado, especialmente sobre a produção de petróleo.
Tanaka - O mercado claramente carece da transparência necessária; caso contrário, funcionaria melhor. Este é o motivo para estarmos trabalhando intensivamente no momento em um grande estudo sobre a produtividade de mais de 700 dos campos de petróleo importantes do mundo, que será publicado em novembro. Nós queremos descobrir não só quão grande é o potencial, mas também a extensão com que a produção está em declínio em campos individuais. Eu estou curioso demais para ver os resultados.
Spiegel - O senhor realmente acredita que obterá informação confiável dos produtores de petróleo?
Tanaka - É uma pergunta justa. É mais fácil obtermos dados de países produtores que não fazem parte da Opep, como os Estados Unidos, por exemplo, ou a Noruega. Muitos outros países transformam em segredo de Estado sua produção de petróleo. Eles não nos permitem analisar seus livros e certamente não nos dão acesso a suas reservas. Nestes casos, nós temos que nos virar com a informação que recebemos de consultores da indústria do petróleo e dos prestadores de serviço que auxiliam na produção e processamento do óleo cru.
Spiegel - Mas mesmo estes especialistas freqüentemente obtêm suas informações por terceiros. É possível, quanto muito, especular quanto, por exemplo, os grandes campos de petróleo da Arábia Saudita ainda produzem -se a pressão está caindo e mais água precisa ser injetada para trazer o petróleo para a superfície, o que aumenta os custos de produção e sugere encolhimento das reservas.
Tanaka - É claro que gostaríamos de poder visitar os locais, mas o que podemos fazer? Esta é uma decisão soberana tomada pelos países produtores. Nós podemos apenas fazer estimativas inteligentes.
Spiegel - Isto significa que a resposta para a pergunta chave permanecerá uma aproximação: quanto petróleo ainda resta no mundo?
Tanaka - Apesar de todas as inadequações, eu acho que a AIE ainda pode oferecer uma informação relativamente precisa neste sentido. Nós acreditamos que, em princípio, restam recursos suficientes para permitir a produção até 2030. O problema se encontra acima do solo: os países não estão investindo o suficiente na exploração de novas reservas e na expansão das antigas instalações. Isto nos dá motivos para preocupação.
Spiegel - Quais são as conseqüências?
Tanaka - Nós notamos que o volume de produção está diminuindo acentuadamente. Segundo nossas projeções, o volume nos campos de petróleo existentes em todo mundo diminui em média 5% ao ano. Isto significa que a cada ano precisamos de 3,5 bilhões de barris de petróleo adicionais por dia apenas para compensar estas perdas. Ao mesmo tempo, entretanto, a demanda está crescendo em cerca de um milhão de barris por dia. Este desequilíbrio deixa claro quão incrivelmente apertado está o mercado. Há uma discrepância se desenvolvendo aqui.
Spiegel - Há o risco de desenvolvimento de gargalos de oferta?
Tanaka - Como temos visto, na atual situação até mesmo uma pequena interrupção na produção pode causar instabilidade e provocar um salto nos preços. Basta a notícia de uma greve dos trabalhadores do setor de petróleo na Nigéria. Este é o motivo para ser tão importante trabalharmos estreitamente com os produtores. Eu freqüentemente me comunico com o secretário geral da Opep, Abdalla Salem el Badri, e com o presidente da Opep, Chakib Khalil, assim como com o ministro do Petróleo saudita, Ali al Naimi. Em uma emergência, nós temos que ser capazes de trabalhar juntos de forma harmoniosa e reagir de forma flexível em 24 horas.
Spiegel - O preço do petróleo caiu um pouco nas últimas semanas. Será que a crise mais recente realmente acabou?
Tanaka - Nós permanecemos cautelosos em nossa avaliação. Naturalmente, nós vimos que a demanda por combustível está em queda nos Estados Unidos e que a Arábia Saudita quer expandir sua produção diária em 2,5 bilhões de barris de petróleo. Estes sinais se refletem no preço. Nós esperamos que o mercado se estabilize em um ano ou dois. Depois disso, entretanto, a situação poderá voltar a ficar tensa. Um nível de preço abaixo de US$ 20, como tivemos há 10 anos, é algo que provavelmente nunca experimentaremos de novo.
Spiegel - O senhor descartaria reduções drásticas de preços?
Tanaka - Nós vivemos em uma era de preços altos de energia e não há volta. Se quisermos evitar crises no futuro, os países produtores terão que fazer sua lição de casa, e terão que expandir sua capacidade consideravelmente.
Spiegel - Os membros da Opep são basicamente os únicos que podem fornecer estes barris adicionais. Afinal, eles possuem as maiores reservas.
Tanaka - Sim, e é onde estamos depositando todas as nossas esperanças. Apenas os países da Opep ainda podem expandir significativamente suas capacidades.
Spiegel - Os países do Golfo Pérsico também têm planos ambiciosos de desenvolver refinarias. A região então não seria apenas a líder na produção de petróleo, mas também uma importante produtora de produtos de petróleo, como gasolina e óleo para aquecimento. Isto apenas aumentaria a dependência na Opep e nas companhias de petróleo estatais.
Tanaka - É verdade, mas estes investimentos são absolutamente razoáveis. Infelizmente, os países Ocidentais consumidores fracassaram em modernizar seus setores de refino, um fato que é extremamente problemático porque cria a necessidade de processar mais e mais petróleo pesado, sulfuroso, o que é caro. Se os produtores desejarem cuidar disso eles mesmos no futuro, por que não? Nós já dependemos deles, então não importa se fornecem apenas o óleo cru ou também os produtos.
Spiegel - Eles são na maioria países que não são exatamente democráticos e que tendem a ser politicamente instáveis.
Tanaka - É exatamente por isso que acho ser uma boa idéia eles não apenas produzirem o petróleo, mas também processá-lo. Desta forma, estes países modernizarão suas economias, com o desenvolvimento de uma indústria petroquímica sendo a conseqüência óbvia. Alguns estão até mesmo se envolvendo em energia alternativa, como a Arábia Saudita, que está investindo em peso em tecnologia solar.
Spiegel - O senhor pinta um quadro bastante positivo destes países. Mas é precisamente os governantes de cabeça quente, como o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que provocam alta no preço do petróleo com suas ameaças.
Tanaka - isso mexe com os mercados -mas apenas por um dia. Quando nossa agência faz uma declaração, o efeito é mais duradouro.
Spiegel - Estes regimes só conseguem permanecer no poder graças ao alto preço do petróleo. Eles estão lucrando com a escassez de combustíveis fósseis, enquanto os cidadãos e empresários de todo o mundo se queixam do fardo do custo. Até que ponto, no seu entender, a economia global sofre com os altos preços do petróleo?
Tanaka - Há um indicador confiável para isto, que os economistas chamam de "fardo do petróleo". Ele descreve a relação entre os gastos em óleo cru de um país e seu produto interno bruto. Este valor aumentou drasticamente neste ano. Ele está mais alto do que estava nos dias do primeiro choque dos preços do petróleo, em 1973, e está se aproximando do nível do segundo choque, em 1979. Os países emergentes que não produzem qualquer quantidade significativa são os mais duramente atingidos, como a Tailândia e o Vietnã. Alguns destes países subsidiavam o combustível no passado, mas agora eles estão reduzindo esta assistência financeira, porque está ficando caro demais para eles e, ao fazê-lo, eles esperam forçar seus cidadãos a economizarem energia.
Spiegel - Isso alivia a situação nos mercados de petróleo?
Tanaka - Isto pode de fato ter um efeito de contenção da demanda. Neste ano a China está gastando cerca de US$ 40 bilhões nestes subsídios, o que não é exatamente um valor pequeno. Nós não defendemos esta política de subsídio. Nós acreditamos que o certo é repassar as mudanças de preço para o consumidor da forma mais inadulterada possível.
Spiegel - Como o atual choque de preços difere de seus precursores nos anos 70?
Tanaka - Em 1973, a Opep reduziu a oferta de petróleo por motivos políticos, e os preços dispararam como resultado. Hoje, a forte demanda global provocou a crise. É um fenômeno estrutural que apenas aumentará e imporá um fardo cada vez maior sobre a economia. Nós não estamos devidamente preparados para isto. É crítico buscarmos soluções.
Spiegel - E quais poderiam ser?
Tanaka - Basicamente, tudo o que precisamos fazer é buscar consistentemente as metas de redução de CO2 com as quais os países industrializados concordaram. Isso não apenas ajuda o clima, mas também é bom para a segurança da energia. Na AIE, nós desenvolvemos um cenário sobre como as emissões de CO2 poderiam ser reduzidas pela metade até 2050. Isto reduziria a demanda por petróleo em 27%. O instrumento mais importante neste cenário é a conservação de energia. Nós devemos melhorar drasticamente a eficiência. Some a isto um maior uso de fontes alternativas de energia, como solar, eólica e hidrelétrica. Nós também devemos nos dedicar mais à energia nuclear.
Spiegel - O que, especificamente, vocês estão propondo?
Tanaka - Com base em nossos cálculos, para atingir a meta de redução das emissões de CO2 pela metade até 2050, a cada ano cerca de 17.500 turbinas eólicas teriam que ser instaladas em todo o mundo, 55 usinas elétricas a gasolina e carvão receberiam equipamento para filtragem e seqüestro de CO2 e cerca de 32 novas usinas nucleares teriam que ser construídas. Atualmente uma ou duas usinas nucleares são construídas a cada ano. Houve um tempo em que 30 reatores eram colocados em serviço a cada ano. Por que não conseguimos fazer isto hoje?
Spiegel - Talvez porque os operadores poderiam ficar sem combustível?
Tanaka - Nossos colegas na Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena, nos asseguraram que isto não é um problema, que temos urânio suficiente. Na verdade, nós temos escassez de especialistas: engenheiros com conhecimento no campo estão em falta.
Spiegel - Na Alemanha, muitos vêem a energia nuclear com ceticismo, em parte por motivos de segurança.
Tanaka - Eu sei que esta questão é debatida na Alemanha. Nosso papel é fornecer dados e análises sobre as oportunidades e riscos. Usando esta informação, cada país pode tomar suas próprias decisões.
Spiegel - Mas sua posição na discussão é óbvia.
Tanaka - Sem energia nuclear, será impossível reduzir as emissões de CO2 pela metade até 2050. Os alemães deveriam entender isso.
Spiegel - Sr. Tanaka, obrigado pela atenção.
(Por Dieter Bednarz e Alexander Jung, Der Spiegel, UOL, 13/08/2008)