Quando o principal oleoduto que transporta petróleo pela Geórgia foi concluído em 2005, ele foi saudado como um grande sucesso na política americana de diversificar sua oferta de energia. Não apenas o oleoduto transporta petróleo produzido na Ásia Central, ajudando o Ocidente a reduzir a dependência do Oriente Médio, mas também atingia outra meta americana: ele contornava a Rússia.
Os autores de política americanos esperavam que fazer o petróleo contornar a Rússia a impediria de reafirmar seu controle sobre a Ásia Central e sua enorme riqueza em gás e petróleo, fornecendo uma alternativa mais segura ao controle por Moscou das rotas de exportação, herdadas dos tempos soviéticos. O cabo-de-guerra com Moscou foi a versão mais recente do Grande Jogo, a disputa no século 19 entre o Império Britânico e a Rússia czarista pelo domínio na região.
Um adesivo que os diplomatas americanos distribuíam na Ásia Central nos anos 90 resumia o pensamento estratégico de Washington: "Felicidade é múltiplos oleodutos". Agora, os especialistas em energia dizem que as hostilidades entre a Rússia e a Geórgia podem ameaçar os planos americanos de ter acesso à mais recursos de energia na Ásia Central, em um ano em que a crescente demanda na Ásia e a oferta apertada ajudaram a pressionar o preço do petróleo a altas recordes.
"É difícil ver em meio à neblina desta guerra outro oleoduto passando pela Geórgia", disse Cliff Kupchan, um analista de risco político do Eurasia Group e funcionário do Departamento de Estado durante o governo Clinton. "Indo adiante, as multinacionais e governos centro-asiáticos e cáspios poderão pensar duas vezes em construir novas linhas por este corredor. Eles podem até mesmo questionar a confiabilidade de deslocar os volumes atuais pelo corredor."
No mínimo, eles alertam, a Rússia poderá figurar de forma ainda mais proeminente na moldagem do futuro de energia da região.
A mais recente luta em torno do petróleo cáspio começou nos anos 90, sob o presidente Bill Clinton, após o colapso da União Soviética. A construção do oleoduto que passa pela Geórgia, a linha Baku-Tbilisi-Ceyhan, ou BTC, continua sendo um dos sucessos marcantes da estratégia americana de colocar uma cunha entre a Rússia e os países centro-asiáticos que foram repúblicas soviéticas.
Tentativas anteriores de obter petróleo do Cazaquistão por uma rota não-russa fracassaram. Grande parte da produção de petróleo do campo gigante de Tengiz, por exemplo, no qual a Chevron é a maior investidora, agora percorre um oleoduto conhecido como Consórcio do Oleoduto do Cáspio, que percorre a costa norte do Mar Cáspio até o porto russo de Novorossiysk. E as propostas para novos oleodutos e gasodutos na região empacaram, em parte, devido à oposição de Moscou.
Alguns analistas acreditam que o conflito armado entre a Rússia e a Geórgia se deve não apenas à inimizade histórica, mas também ao crescente temor da Rússia de que a Geórgia, com sua inclinação pró-Ocidente, possa provar ser uma concorrente em exportação de energia.
"Os russos prezam o fato de terem um monopólio de oleodutos e gasodutos na Ásia Central, já que lhes deram uma força considerável", disse Marshall I. Goldman, um acadêmico de estudos russos de Havard e recente autor de "Petrostate: Putin, Power, and the New Russia" (petro-Estado: Putin, poder e a nova Rússia). "Ao concordar em receber um oleoduto, a Geórgia se tornou mais vulnerável".
Olhando à frente, uma grande preocupação agora é Kashagan, o campo gigante de petróleo no Mar Cáspio, que contém reservas de mais de 10 bilhões de barris. Localizado em águas do Cazaquistão, Kashagan é a tentativa mais ambiciosa até o momento de empresas ocidentais desenvolverem novas reservas no Cáspio. Levará pelos menos cinco anos até que o petróleo comece a ser extraído de lá, mas o consórcio responsável, que inclui a Exxon Mobil e ConocoPhillips, planeja transportar o petróleo de Kashagan pelo oleoduto BTC. Isto envolveria a construção de um novo oleoduto sob o Mar Cáspio, que poderia enfrentar oposição da Rússia.
O oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan, com 1.770 quilômetros de extensão, transporta 850 mil barris por dia de petróleo, ou 1% da oferta global, do Azerbaijão, passando pela Geórgia e chegando ao porto turco de Ceyhan, no Mediterrâneo. Grande parte do petróleo é destinado à Europa e aos Estados Unidos.
O petróleo vem de vários campos no Azerbaijão, em águas do Mar Cáspio. O oleoduto, que custou US$ 4 bilhões para ser construído, também transporta petróleo de Tengiz.
Quando o oleoduto BTC estava em construção, o Ocidente teve dificuldades para encontrar rotas que evitassem áreas com problemas, o que foi difícil. Os Estados Unidos não queriam que o oleoduto passasse pelo Irã, por exemplo. No final, a BP, que opera o oleoduto, e outros investidores decidiram que a linha passaria por sua rota atual, por três países lutando com separatistas.
Antes mesmo da deflagração das hostilidades entre a Rússia e a Geórgia, os analistas foram repentinamente lembrados de quão precária até mesmo a rota preferida poderia ser.
Na última quarta-feira, dois dias antes do início do conflito da Ossétia do Sul, o oleoduto foi fechado após ser atingido por uma explosão no leste da Turquia. Separatistas curdos reivindicaram responsabilidade, apesar de ainda não se saber o que causou a explosão.
O conflito na Geórgia complicou os esforços da BP de encontrar rotas alternativas para suas exportações. Também há relatos não confirmados nos últimos dias de que aviões russos tinham atingido o oleoduto, apesar da BP ter dito que o oleoduto não foi atingido.
A BP disse na quarta-feira que levaria uma semana para determinar por quanto tempo o oleoduto permanecerá fechado. Os outros investidores no oleoduto são a Socar, a companhia estatal de petróleo do Azerbaijão; Chevron; ConocoPhillips; StatoilHydro, da Noruega; ENI, da Itália; e Total, da França. Até o momento, os mercados de energia se mantiveram indiferentes aos eventos na Geórgia.
A Rússia, que está cheia de petrodólares devido ao aumento dos preços do petróleo, não tem demonstrado medo em empregar sua força reencontrada nos últimos anos para colocar seus vizinhos na linha. Há dois anos, a Gazprom, a companhia estatal de petróleo então dirigida por Dmitri A. Medvedev, o atual presidente russo, cortou a oferta de gás natural para a Ucrânia no meio do inverno por causa de uma disputa de preço. Isto causou ondas de choque na Europa, onde muitos autores de políticas começaram a questionar sua dependência do gás natural russo.
"Para os europeus, a crise do gás na Ucrânia foi como um despertador", disse Frank A. Verrastro, diretor do programa de energia e segurança nacional do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. Mas Verrastro, que viajou extensivamente pela região em meados dos anos 90, como executivo da Pennzoil, disse que será muito difícil construir um novo oleoduto ocidental como o BTC, especialmente agora.
"Nós conseguimos o BTC por causa de uma confluência de interesses comerciais e diplomáticos", ele disse. "Mas os Estados Unidos não aprenderam as lições certas. Eles imaginaram que bastava confiar nestes países e um novo oleoduto surgiria. Mas isto foi um fracasso abjeto". Ele acrescentou: "Há uma mudança acontecendo no mercado. Nós precisamos de um Plano B. Mas não temos um Plano B".
(Por Jad Mouawad, NYT, UOL, 14/08/2008)