As regiões da Amazônia que estão licitadas ou em processo de licitação para exploração de petróleo e gás já somam uma área maior que a da França, e praticamente todas elas estão em regiões da floresta onde a natureza é mais rica em espécies. Um estudo de cientistas americanos trabalhando na América do Sul mostra que, se a infra-estrutura de exploração não tentar minimizar os impactos ambientais, aves, mamíferos e anfíbios que existem nesses 688.000 km2 podem perder parte de seu habitat.
A sobreposição de prioridades, porém, não tem motivo especial. "Acho que é apenas azar existir uma área tão biodiversa e com um recurso tão cobiçado", disse à Folha o ecólogo Clinton Jenkins, da Universidade Duke, um dos autores do estudo, publicado ontem na revista "PLoS One". O trabalho mapeou os projetos de exploração de petróleo em áreas de Brasil, Colômbia, Bolívia, Equador e Peru. O problema da sobreposição é bem mais grave nos dois últimos da lista.
"Há 64 blocos de exploração cobrindo 72% da amazônia peruana (490.000 km2)", afirma o trabalho, assinado também pelo ecólogo Stuart Pimm e cientistas de duas ONGs de conservação. "As únicas áreas com proteção completa contra atividades de petróleo e gás são parques nacionais e santuários históricos, que cobrem 12% da amazônia peruana."
Segundo Jenkins, o maior risco para a região, porém, não é fruto direto da extração de petróleo. "São as estradas que tendem a levar à maior parte dos problemas -desmatamento, extração ilegal de madeira e caça ilegal-, porque elas dão acesso a áreas remotas", diz.
Transporte alternativo
O novo estudo defende que os novos projetos de exploração tentem escoar a produção por ferrovias e hidrovias para evitar que estradas incentivem a grilagem em regiões inabitadas. "Há alguns exemplos de oleodutos sem estradas na região, e uma das empresas que têm feito isso razoavelmente bem é a Petrobras, em Urucu, no Amazonas", diz Jenkins. "Há um longo oleoduto que, pelo que eu sei, gera pouco desmatamento. Existe algum impacto, mas ele é minimizado."
Os benefícios que surgiram do cuidado que se teve com o projeto na região, porém, podem ser perdidos quando a rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, for asfaltada.
"Acredito que a construção da BR-319 deva ser precedida de uma melhor análise das alternativas para moldar esse transporte, especialmente o ferroviário e o hidroviário", diz Virgílio Viana, ex-secretário estadual do Meio Ambiente do Amazonas, um dos articuladores das medidas de redução de impacto em Urucu. "Já foi feito um estudo de viabilidade e, a meu ver, a ferrovia é viável lá."
Jenkins também realça o problema da existência de reservas de petróleo em terras indígenas. Nesse caso, também, Peru e Equador são os países com mais sobreposição. O governo equatoriano demarcou em 2007 a chamada Zona Intangível, onde a exploração é proibida para evitar prejudicar as tribos que vivem isoladas na região. Segundo Jenkins, porém, há "evidências hoje de que eles abrangem uma área além da zona demarcada".
(Por Rafael Garcia, Folha de S.Paulo, 13/08/2008)