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mst movimentos sociais
2008-08-14

Há um novo jargão em curso fluente no Brasil: criminalização. Nos últimos tempos, ele tem sido usado em defesa dos movimentos sociais: seus adversários, contando com o apoio de uma ala conservadora do poder judiciário, passaram a criminalizar os movimentos sociais, atribuindo aos seus atos o peso de delitos penais. Com isso, os enquadram na letra da lei, submetem-nos ao processamento judicial e, finalmente, os condenam, imobilizando-os de vez.

Num país no qual a questão social costuma ser considerada caso de polícia e a injustiça social é um traço constante ao longo de todo o processo histórico, até hoje, a reação é legítima. Já é hora de as elites considerarem o povo brasileiro com atenção, respeito e acatamento. A espinha dorsal de uma nação é o seu povo, tautologia que raramente escapa da cercadura dos discursos vazios. Nem por isso, porém, os movimentos sociais podem se conceder direitos absolutos. Não podem ser ao mesmo tempo partes no processo e seus julgadores e sentenciadores.

O surgimento (ou ressurgimento) de certas expressões em determinados momentos históricos não é fortuito: a linguagem também expressa a dinâmica social, é um canal de voz para os que são (ou tentam ser) atores na cena coletiva. Mas os jargões podem perder seu significado semântico e sua identidade etimológica por uma repetição mecânica, ou pelo mau uso, condicionado e viciado por interesses que extrapolam a linguagem.

A criminalização, de fato, é uma maneira de imobilizar os movimentos sociais. Mas essas iniciativas só prosperam porque há uma ordem legal, que serve de parâmetro para a vida em sociedade, com toda a sua dialética. A ordem legal vigente foi estabelecida através de uma constituinte, convocada quando da retomada da democracia no Brasil. As normas dessa estrutura jurídica podem padecer de falhas, desvios, tendenciosidades. Nem por isso se justifica uma meta-ordem legal, paralela e autônoma. Do contrário, não estaríamos numa democracia, mas sob a vigência (ou a ameaça) de uma nova ordem em estado larvar, subterrânea, clandestina, mas pretendendo chegar ao pleno exercício pela derrocada da ordem institucional.

Certos movimentos sociais dispensam ser criminalizados porque simplesmente se acostumaram a praticar e reiterar crimes. Sua pretensão à inocência, à pureza, à elevação e, mais do que tudo, à inimputabilidade, lembra a alegoria do rei nu, que queria respeito geral aos seus trajes fictícios. Esses movimentos sociais podem, fundamentadamente, denunciar que sofrem perseguição, que a justiça é tendenciosa ao apreciar as demandas nas quais são partes, que há conluio de magistrados com seus perseguidores. Mas não pode achar que, como Harry Potter, tem uma vestimenta especial debaixo da qual se torna invisível. Ou que comanda sua visibilidade, exibindo-a ou ocultando-a conforme as circunstâncias.

É o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. O MST optou por não assumir personalidade jurídica, embora tenha montado uma respeitável estrutura em várias partes do país, inclusive com recursos públicos que lhe foram repassados, sobretudo pelo governo federal. É uma anomalia no mundo jurídico, mas é decisão moralmente sustentável (no princípio da desobediência civil), desde que o movimento se disponha a pagar o preço, quando lhe for cobrado. O pagamento seria mais leve se ele dispensasse as verbas do erário, mas não o faz porque o Estado brasileiro é um biombo para o roubo, para a formação de fortunas individuais.

Caberia ao MST apresentar as provas e provocar a manifestação das instâncias competentes para apurar o desvio de recursos públicos e o enriquecimento ilícito, além de vários outros dos crimes de colarinho branco, e cobrar providências concretas, dentre as quais o processamento, responsabilização e condenação dos autores dos crimes contra o patrimônio público, a serem devidamente encarcerados e privados de seus bens ilicitamente obtidos, quando o caso. Não pode o MST, como qualquer outra entidade ou movimento, atribuir-se as funções de acusação e julgamento em circuito fechado. Mesmo que seja nobre a causa e boa a intenção, essa dinâmica acaba em gulags. E gulags são das mais nefandas criações aberrantes da humanidade.

Está certo o MST quando protesta contra o enriquecimento desmesurado da Companhia Vale do Rio Doce, não partilhado na mesma medida com a população das áreas cujos recursos naturais explora, e organiza manifestações para chamar a atenção da opinião pública para essa distorção. Mas erra quando paralisa reiteradamente as atividades da empresa e, nessa progressão, o ato descamba para a sabotagem, o vandalismo e a vilania. Ainda que a mesma boa intenção perpassasse essas manifestações, elas teriam a eficácia dos ataques dos operários às máquinas da nascente industrialização dos séculos XVIII e XIX.

É o mesmo o contexto da mais recente das iniciativas do MST, que no mês passado ocupou um dos imóveis rurais que o Banco Opportunity adquiriu no sul do Pará. A bandeira da justiça social é bonita, mas não pode ser considerada tão larga que acabe por abrigar qualquer iniciativa engendrada em nome dela. Fala-se que o grupo econômico de Daniel Dantas tem 500 mil hectares na região, com 450 mil cabeças de gado espalhadas por várias propriedades, e que um filho do presidente da república seria o abre-alas do banqueiro, recentemente preso pela Polícia Federal sob a acusação de comandar uma rede intrincada de negócios escusos, dentro e fora do país, com trânsito pelo mundo econômico e os biombos políticos.

Esse boato tem quase três anos. É surpreendente que nesse tempo os órgãos públicos não tenham conseguido apurar o que de fato existe por trás de tantas suposições. É tão surpreendente que tal império se tenha constituído sem o conhecimento adequado da sociedade. São duas situações a clamar por providência. Mas não pela mera execução de sentença putativa do MST. O mundo da legalidade requer consideração pelos ritos e pelas regras estabelecidas até que o delito seja desfeito e a normalidade restabelecida.

Como terras aforadas pelo Estado (e que, por isso, não podem reverter ao domínio da União, ao contrário do que alega o MST) para a exploração de castanhais acabaram nas mãos de terceiros, usadas para a criação de gado? Quem comprou? De onde veio o dinheiro usado na aquisição e para onde foi depois? Quais os personagens desse enredo? Como agiram? Quais os interesses envolvidos? Estas são apenas algumas das perguntas que precisam ser satisfatoriamente respondidas antes do ato executivo, que o MST quer precipitar. De precipitação em precipitação, aonde chegaremos? Como chegaremos? Ainda sob uma democracia? Mas qual democracia?

A principal culpa não é dos movimentos sociais ou dos seus aliados. É do governo e, por trás dessa abstração, de uma elite que manipula os cordéis do poder e rouba de uma forma criminosa. Ela priva o país de usar a renda da sua atividade produtiva em benefício do povo, que sofre em hospitais ruins, em escolas ruins, em moradias ruins e num conjunto de situações desfavoráveis. Enquanto isso, apenas mandarins tiram proveito da excepcional receita que o país tem obtido, nem sempre exatamente por seus méritos (em algumas circunstâncias, a despeito deles). Com quase um quarto de século de vida, o MST constitui capítulo à parte na fragmentada história dos movimentos sociais brasileiros. Nem por isso é a fonte do direito, da justiça, da salvação. País felizmente complexo, o Brasil merece não cultivar movimentos fundamentalistas, salvíficos, seja qual for o seu jargão.

O MST é um ator na trama social brasileira, não o ator, como os outros movimentos sociais. Eles devem desempenhar seu papel sem querer eliminar os demais. Não podem repetir o triste espetáculo que deram no encerramento do VI Congresso Estadual de Jornalistas, no dia 2, quando impediram que uma jornalista paraense, Lúcia Leão, fizesse sua palestra, simplesmente por ser a editora-executiva do Jornal Hoje. A Rede Globo de Televisão já fez muito mal ao país, mas não tanto que mereça uma mordaça, ainda mais porque o cala-boca não foi imposto à empresa, depois de um processo qualquer, mas a uma de suas funcionárias, de súbito, sem conversa nem apelação.

Se quisessem, mesmo sem convite, os 80 valorosos militantes dos movimentos sociais deviam manifestar sua desaprovação à mensagem da jornalista da Globo depois que ela falasse e caso, usando seu raciocínio e não seus artelhos, concluíssem que ela era apenas moleca de recado do patrão, a quem vendeu não a sua força de trabalho, mas sua razão, sua honra e sua alma. Do contrário, devemos continuar sob a democracia, o pior dos regimes, exceto pelos outros. Mesmo que seja para desfazê-la e refazê-la - sempre melhor: na pluralidade e na alternância.

(Por Lúcio Flávio Pinto *, Adital, 13/08/2008)
* Jornalista


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