Após receber oferta de 7.800 MW, pregão negociará apenas 1.100 MW
Usineiros dizem que preço inicial oferecido por energia não é compensador; para EPE, governo foi ao limite das ofertas nas negociações
Considerado um marco para o setor de energia, o primeiro leilão de energia de biomassa para reserva, previsto para acontecer depois de amanhã, terá proporções muito menores do que as esperadas.
O volume de energia firme (que recebe o nome de garantia física no jargão da área) colocado para negociação é de cerca de 1.100 MW (megawatts), produzidos por 44 usinas em todo o Brasil. O governo, no entanto, tinha habilitado na semana anterior 96 usinas que garantiam 2.100 MW de energia produzida por bagaço e palha de cana-de-açúcar, capim-elefante e rejeitos avícolas. Porém, apenas 44 fizeram o depósito para participar do pregão.
Em fevereiro, 118 usinas ofereceram 7.800 MW durante a inscrição de interessados em fazer parte do leilão.
Esse volume de energia é superior ao que será gerado pelas usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira.
"A Cosan poderia ter colocado três vezes mais energia para ser leiloada", diz Pedro Mizutani, vice-presidente do grupo Cosan. "Mas o preço inicial não é atraente a todas as usinas. Como os investimentos são altos e há multas a serem pagas em caso de não-cumprimento da entrega, muita gente preferiu não se arriscar."
Segundo a Unica, que representa o setor em São Paulo, os usineiros esperavam incentivos maiores, nos moldes do Pro-Álcool. "Como energia não é o negócio principal das usinas, qualquer obstáculo afasta o investidor", diz Onório Kitayama, responsável pela área de bioeletricidade na Unica. "Os custos dos projetos praticamente dobraram pela alta do aço e deixaram de ser compensadores, a não ser para "greenfields" [projetos iniciais]."
Matriz energética
A energia de reserva por biomassa, entretanto, é considerada estratégica para a diversificação da matriz energética do país. Entre outros motivos, porque o período da safra de cana ocorre exatamente na época da seca dos reservatórios das usinas hidrelétricas na região Sudeste. Além disso, biomassa é mais barata e menos poluente do que a energia gerada por outras termelétricas.
Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a expectativa é que, no longo prazo, as usinas de biomassa produzam de 7.000 a 9.000 MW, o equivalente a 1,5 Madeira.
"Todo leilão é assim mesmo: mais empresas se inscrevem e um número menor deposita as garantias", afirma Maurício Tomalsquim, presidente da EPE. "Temos um bom número de participantes para um primeiro leilão."
De acordo com Tomalsquim, o governo foi até o limite das negociações com os usineiros e não quer que a população pague pelos investimentos na melhoria das usinas privadas.
"Estamos levando redes de transmissão e estações coletoras até as usinas, criamos uma via rápida para licenças ambientais e possibilitamos o fornecimento escalonado", diz Tomalsquim. "Porém, se tivermos de pagar muito caro, as vantagens desse tipo de energia não compensarão."
O governo espera aumento gradativo na oferta, já que, segundo a EPE, o fornecimento é compensador também para as usinas. "Como o contrato é de 15 anos, a venda de energia acaba sendo um hedge [proteção] contra oscilações no preço internacional dos combustíveis", afirma Tomalsquim.
A Cosan, por exemplo, estima que a venda de energia poderá representar de 15% a 20% de seu faturamento total e vir a fazer parte de seu negócio principal. Maior produtora de álcool do país, a empresa foi a que colocou maior volume de energia em oferta no leilão, num total de 360 MW firmes.
Apesar de reconhecer os esforços do governo para retirar os entraves à realização do leilão, os usineiros ressaltam ainda que a produção de energia concorre com a produção de álcool de segunda geração, que usará o bagaço da cana e com a importação do bagaço por usinas européias, que têm programas de incentivo à biomassa.
(Por Cristiane Barbieri, Folha de S. Paulo, 12/08/2008)