A transposição do Rio São Francisco para as bacias hidrográficas do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do agreste de Pernambuco começa a se tornar realidade. As obras a cargo do Exército estão em ritmo acelerado, como este colunista pode constatar na região, na semana passada. Os dois canais de aproximação dos eixos norte e leste, que levarão água para os reservatórios de Tucutu, perto de Cabrobó, e de Areias, nas proximidades de Floresta, deverão ser concluídos até o fim de 2009.
A discussão na área técnica do governo passou a ser agora sobre outra obra, menos grandiosa, mas igualmente polêmica: a transposição das águas do Rio Tocantins para o São Francisco. A idéia não é nova. Na verdade, ganhou força no início do primeiro mandato do presidente Lula, quando o projeto de transposição do São Francisco enfrentava uma oposição ferrenha de vários governadores e de parte do Congresso. Por isso, transpor as águas do Tocantins para o Nordeste Setentrional pareceu a alguns uma alternativa menos problemática, do ponto de vista político e ambiental, do que desviar as águas do "Velho Chico".
O falecido senador Antônio Carlos Magalhães (DEM), ex-governador da Bahia, dizia que só aceitaria a transposição se, antes, uma parte das águas do Tocantins fosse jogada no São Francisco. Na época, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu disse que o governo Lula faria a obra.
Um grupo de engenheiros de Furnas Centrais Elétricas chegou a elaborar um estudo sobre essa alternativa. O projeto desses engenheiros previa a transferência de 26% da vazão do Tocantins diretamente para o semi-árido nordestino, por meio de um canal de 1,6 mil quilômetros. Além da adutora, seriam construídos 18 reservatórios ao longo do desvio. Mas o governo não deu prosseguimento à idéia e ela passou a ser criticada como mais uma jogada para engavetar a transposição do São Francisco.
O governo Lula decidiu enfrentar a oposição e executar o projeto de transposição das águas do "Velho Chico", engavetando a alternativa do Tocantins. Mas agora ela voltou a ser discutida por uma razão muito simples: com a retirada de águas do São Francisco para atender o Nordeste Setentrional, sobrou muito pouco para novas outorgas, ou seja, permissões para a retirada de água do rio destinada a atividades econômicas, como, por exemplo, irrigação. A transposição do Tocantins para o São Francisco seria uma forma de compensar os Estados banhados pelo rio, que são doadores da água para o Nordeste Setentrional.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), órgão responsável pelo plano de recursos hídricos da bacia, definiu que o limite de retirada de água do rio é de 360 metros cúbicos por segundo. Com essa retirada máxima será possível manter uma vazão mínima ecológica de 1.300 metros cúbicos por segundo na foz do rio, que preserve os ecossistemas e a biodiversidade aquática, além da geração de energia elétrica.
Ocorre que a previsão até 2025, que consta do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PBHSF), é de que o consumo médio anual das populações existentes na bacia será de 262,2 metros cúbicos por segundo. Existe, portanto, uma disponibilidade de água em relação ao consumo de 97,8 metros cúbicos por segundo (360 menos 262,2). Com a retirada de 26,4 metros cúbicos por segundo para atender o Ceará, a Paraíba, o Rio Grande do Norte e Pernambuco, sobrará muito pouco para novas outorgas.
Quando se pensa no longo prazo - em 2025, por exemplo - é provável que o curso de água do São Francisco tenha que ser reforçado pelas águas de outras nascentes para atender às exigências das populações daquela região. Para isso, segundo os técnicos, a alternativa mais adequada é a transposição de parte das águas do Rio Tocantins.
A bacia do Rio do Sono, afluente do Tocantins, seria a doadora das águas. No planejamento de criação do próprio Estado do Tocantins já foi prevista essa alternativa para a integração com o São Francisco. Um estudo feito pela empresa VBA Consultores, discutido com o Ministério da Integração Nacional, identifica a Lagoa de Três Rios, na região do Jalapão, como o ponto de passagem mais propício à transposição. Está aí o primeiro obstáculo importante ao empreendimento, uma vez que a região do Jalapão é hoje uma Meca do turismo ecológico. As resistências dos ambientalistas certamente não serão desprezíveis.
O estudo da VBA Consultores diz, no entanto, que é possível retirar a água com um mínimo de interferência na lagoa, fazendo uma travessia da área por um canal independente. A alternativa menos onerosa prevê que as águas seriam captadas nas bacias dos rios Novo e Soninho, ambos afluentes do Rio do Sono, a partir de seis barramentos, e atingiriam inicialmente o Rio Sapão, seguindo pelo Rio Preto e o Rio Grande até chegar ao São Francisco.
A alternativa estudada pela VBA Consultores prevê que a transposição será feita em duas etapas, sendo a primeira para uma vazão de 40 metros cúbicos por segundo e a segunda, de mais 30 metros cúbicos por segundo. O custo do empreendimento seria da ordem de R$ 1,44 bilhão. Esse é, no entanto, um projeto para as próximas décadas. Mas, talvez, a discussão comece bem antes disso.
(Por Ribamar Oliveira, O Estado de S. Paulo, 11/08/2008)