As irregularidades do setor siderúrgico do Mato Grosso do Sul vêm sendo expostas há cerca de oito meses, quando os escritórios regionais do Ibama no Estado deram início à Operação Rastro Negro Pantanal, que fiscaliza a origem do carvão vegetal usado pelas fabricantes de ferro-gusa. Neste período foram lavrados cerca de 160 autos de infração a usinas e carvoarias e aplicados nada menos que 230 milhões de reais em multas. Ilegalidades foram identificadas em diversas etapas do processo de beneficiamento de ferro e aço no estado.
Na lista das 67 empresas que ficaram com a imagem manchada depois das operações figuram nomes como MMX Metálicos, do empresário Eike Batista, Vetorial Campo Grande e Simasul. A principal acusação que recai sobre elas é o uso de carvão vegetal proveniente de áreas nativas do Pantanal, bioma que segundo estudo da FGV poderá desaparecer em apenas 45 anos se o ritmo de alimentação dos fornos do Complexo Siderúrgico do MS (CMS-MS) continuar como está. Além das multas recebidas, aproximadamente 40 destas 67 empresas tiveram suas senhas bloqueadas no Sistema DOF (Documento de Origem Florestal). Ou seja, não podem emitir o documento que permite a comercialização do produto.
Como reação às ações do Ibama, o setor resolveu se organizar e, no último dia 12, criou o Sindicato das Indústrias e Produtores de Carvão Vegetal do Mato Grosso do Sul (Sindicarv), que promete combater com força total as “arbitrariedades” que o Ibama vem cometendo. A primeira ação concreta do Sindicarv ocorreu na última sexta-feira, quando cerca de 30 empresários do setor foram bater na porta de David Lourenço, superintendente do Ibama do Estado, para fazer suas reivindicações. A principal delas era a liberação das empresas bloqueadas no DOF.
Como argumento a seu favor, o setor alegou que o problema apontado pelo órgão para o bloqueio das empresas não estava claramente especificado e que o Ibama age de forma arbitrária ao não respeitar o tempo que as empresas teriam para fazer sua defesa. “Ele diz [auto de infração] que a empresa ‘fraudou o sistema DOF’, mas não coloca o que exatamente é, não dá transparência dizendo o porquê. Além de tudo isso, digamos que tivesse procedência [o motivo alegado], o Ibama deveria aguardar os 20 dias que a empresa tem para fazer sua defesa antes de bloquear o sistema”, reclama Marcos Brito, presidente do Sindicarv.
Lobby funcionou
A julgar pelos resultados do encontro entre carvoeiros e o superintendente do Ibama, parece que a pressão do setor sobre o órgão federal deu certo. No mesmo dia, Lourenço criou uma “força tarefa” para analisar os casos e liberou três empresas do bloqueio. Além disso, o superintendente prometeu aos empresários a liberação de mais 11 carvoarias na próxima semana e uma “liberação em cascata”, caso seja comprovado que as outras empresas penalizadas foram vítimas da “arbitrariedade” dos fiscais do Ibama.
Durante conversa com a reportagem de O Eco, Marcos Brito chegou a reproduzir um dos diálogos que o superintendente do Ibama teria tido com ele e com Jânio Marques da Silva, chefe da Divisão de Proteção Ambiental do órgão, também presente na reunião de sexta-feira. “Eu fui bem direto para ele [David Lourenço]. Falei: ‘entendo a preocupação e fico satisfeito em você fazer a força tarefa, mas se a fiscalização continuar usando os mesmos métodos, continuar bloqueando, você vai ter que intensificar as ações, porque enquanto você libera dez, ela bloqueia 20’. David imediatamente virou para o chefe do Ibama, e disse: ‘Mas espera, Jânio, isso não pode continuar’”.
David Lourenço foi procurado por O Eco para comentar os resultados da reunião, mas não retornou as ligações. Quem falou em seu nome foi Jânio da Silva, que afirmou serem “normais” as reações do setor e garantiu que o órgão está disposto da dar celeridade aos processos de revisão dos bloqueios, caso as empresas comprovem que estão trabalhando dentro da lei. Ele também negou que Lourenço tenha confirmado existirem irregularidades na fiscalização realizada pelo órgão, como foi noticiado em um veículo local, e afirmou que o Ibama não irá se acuar diante da pressão do setor carvoeiro.
Quem também garantiu que a pressão dos empresários não surtirá efeito nas ações do órgão foi o coordenador geral de fiscalização do Ibama, Luciano de Menezes Evaristo. Segundo ele, as operações no Mato Grosso do Sul estão sendo coordenadas diretamente por Brasília e todas as empresas que estiverem na irregularidade serão severamente punidas. “É firmeza total e tolerância zero, não só para o setor carvoeiro, mas também para as madeireiras e qualquer setor que tenha de trabalhar dentro da legislação ambiental”, diz.
O que vem por aí
Apesar da resposta imediata do Ibama às reivindicações da siderurgia no MS, Marcos Brito afirmou que o Sidicarv prepara outras ações contra os obstáculos que o órgão federal tem colocado aos trabalhos do setor. Segundo ele, o sindicato tem feito reuniões quase que diárias com políticos e empresários do estado e já garantiu apoio de “praticamente todos os senadores”.
A agremiação também prepara uma intervenção em Brasília, na corregedoria do Ibama, e está organizando para as próximas semanas uma grande manifestação, que deverá reunir “cerca de cinco mil pessoas” no estado em favor dos trabalhos do Complexo Minero Siderúrgico do MS. A data e o local da manifestação não foram divulgados. “A coisa está pegando”, garante o presidente do Sindicarv.
Brito, que hoje está à frente do Sindicato das Indústrias e Produtores de Carvão Vegetal do Mato Grosso do Sul, é dono da Black Indústria Importadora e Exportadora de Carvão Vegetal Ltda, empresa que em dezembro de 2007 levou uma multa de 260 mil reais por vender à MMX carvão vegetal produzido a partir de desmatamentos recentes na Terra Indígena Kadweu, no município de Corumbá. No documento emitido pelo Ibama contra a Black constavam diferentes infrações, entre elas corte de madeira de lei, produção de carvão a partir de madeira de lei e indução de incêndio florestal. As empresas negam as irregularidades.
(Por Cristiane Prizibisczki, OEco, 08/08/2008)