Centenas de carros trafegam pela RS-734 todos os dias, mas certamente poucas das pessoas que passam pelo pontilhão próximo à entrada do bairro Parque Marinha sabem que por debaixo dali corre um dos mais importantes arroios do município: o Vieira. O arroio divide os bairros Parque São Pedro, Parque Marinha e Jardim do Sol, que juntos compreendem mais de 25 mil moradores. É um grande corredor ecológico, que integra o estuário da Laguna dos Patos e está ligado ao Saco da Mangueira.
A descrição é de uma inquestionável área de importância ambiental, mas a realidade mostra que a valorização do espaço não condiz com o seu valor. A interferência começou na década de 80, quando o arroio teve seu curso desviado e canalizado, além de ter passado a receber efluentes da Estação de Tratamento do Parque Marinha e do esgoto fluvial.
Hoje, o Vieira mais se parece com uma valeta malcuidada. Há lixo por toda parte e pouco restou da mata ciliar, sem falar nas construções irregulares construídas nas margens de sua extensão. Percebendo o rápido desenvolvimento do município e a pressão da ocupação urbana na região do arroio, pesquisadores decidiram apontar medidas urgentes a fim de estancar os problemas e recuperar a área degradada, assim como a qualidade da água.
O oceanólogo Ronaldo Costa, a arquiteta Vanessa Baldoni, e a arte-educadora Rita Rache, acreditam que a tendência é a junção dos três bairros, o que fará com que o curso d´água fatalmente acabe canalizando sob alguma avenida, desaparecendo completamente e impedindo qualquer outra forma de uso do arroio, além do esgotamento sanitário. “É preciso reconstruir essa memória ambiental e recriar um arroio que foi abandonado. Se nada for feito, os bairros vão se unir e o arroio vai virar um tubão”, salienta o oceanólogo.
Uma saída
Costa apresenta o projeto Pró-Vieira, o qual pretende transformar em um movimento e busca o apoio da comunidade. O enfoque inicial é uma área de 16 hectares, pela qual passa o arroio e, por isso, tem seis hectares classificados como área de preservação permanente. “O espaço de 30 metros para cada lado das margens do arroio é área de preservação. O terreno é particular e o proprietário terá dificuldades para construir ali. Nossa proposta é para que o município adquira a área e construa um parque linear. A situação em Rio Grande ainda tem volta. Imaginem se hoje seria possível salvarmos os rios Tietê, em São Paulo, ou o Arroio Dilúvio, em Porto Alegre. Nós ainda temos uma chance, eles não”, enfatiza Costa.
O projeto
“Criar um parque linear nos parece a melhor maneira de proteger o arroio porque isso irá gerar um envolvimento da comunidade. O que é nosso, é do coletivo. É preciso que a comunidade se enxergue como dona do arroio”, explica Costa.
O projeto de re-naturalização da área prevê a construção de áreas de estacionamento, espaços para práticas esportivas, praças, trilhas de caminhadas e banheiros públicos. O plano já foi apresentado ao executivo municipal, ao Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comdema), ao Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema) e ao Ministério Público Federal.
O apoio
Segundo o secretário municipal do Meio Ambiente, Norton Gianuca, a proposta foi apresentada para a câmara técnica do Comdema, que a aprovou por unanimidade. O que está pendente para a execução do projeto é a forma como será adquirida a área. “A idéia é muito interessante, mas precisamos encontrar uma forma para conseguir recursos para aquisição da área que pertence a um proprietário”, explicou.
Segundo Costa, uma das possibilidades seria através das verbas recolhida pelas medidas compensatórias que precisam ser pagas pelos grandes empreendimentos instalados em Rio Grande e na região, já que, devido aos impactos ambientais, precisam investir pelo menos 0,5% do investimento total, em áreas de preservação. “O dinheiro da compensação ambiental é um direito que a gente pode agarrar ou deixar ir embora. A escolha é nossa”, disse.
A importância do arroio já começa a ser trabalhada nas escolas. Professores da escola Manoel Mano, localizada no Parque São Pedro, realizam saídas de campo com os alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e apóiam o projeto.
As lembranças
Muitos dos moradores das proximidades do arroio Vieira mantêm lembranças de quando a área do arroio era um espaço de lazer. Entre eles está o aposentado Firmino Amaral, que vive no Parque São Pedro há 26 anos. “Eu tinha o prazer de levar meus filhos pequenos para passar as tardes próximo ao arroio. Os mais velhos pescavam e os menores tomavam banho no arroio. Toda a vez que passo por ali e vejo que não existe mais essa possibilidade, tenho vontade de chorar. Se eu tivesse meios próprios para recuperar a área, eu o faria. São lembranças de uma vida. Eu, quando criança, brincava no arroio, trazido pelo meu pai. Ali existiam pássaros que hoje só vemos em revistas. Ficaria feliz em saber que alguém fez algo para que meus netos e bisnetos possam ver os peixinhos no arroio”, contou Amaral.
(Por Débora Lucas, Diário Popular, 10/08/2008)