Tudo começou com uma demanda da extinta SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) no início da década de 70, que pediu ajuda ao grupo de sensoriamento remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE para monitorar, através de imagens de satélite, o processo de ocupação da Amazônia subsidiado pelo Governo. O objetivo era conferir se o desmatamento – leia-se pastagens - estava acontecendo, para justificar os recursos financeiros liberados para o “desenvolvimento da região”. Apesar de não ser para fins de conservação e proteção da floresta, esta demanda rendeu os primeiros frutos do que em 1988 seria chamado de Prodes (Programa de Cálculo de Desflorestamento da Amazônia), um dos sistemas de monitoramento mais avançados do mundo para identificação e quantificação de processos de desmatamento em áreas florestais.
Em linhas gerais, o Prodes consiste em um sistema que utiliza imagens de diversos satélites de monitoramento da superfície terrestre com alta resolução espacial – mede as taxas de corte raso para incrementos superiores a 6,25 hectares – e baixa resolução temporal. Sua função é contabilizar anualmente (de julho a setembro) a área total desmatada e sua principal vantagem é a precisão do geo-referenciamento dos polígonos de deflorestamento. Ao longo dos 20 anos de sua implementação, o Prodes avançou da era analógica para a digital e hoje as estimativas anuais de taxas de desflorestamento da Amazônia Legal estão em constante aperfeiçoamento, graças aos avanços da tecnologia de sensoriamento remoto e das técnicas de interpretação de imagens.
“Destaco também como um grande avanço deste período a divulgação pública na internet dos mapas e dados medidos a cada ano, processo iniciado em 2003 e repetido desde então com um seminário anual que envolve ONGs e entidades governamentais. Isso consolidou junto à sociedade o compromisso de transparência e a função do INPE, que é prover as informações e garantir a qualidade dos mapas”, ressalta Dalton Valeriano, coordenador do Programa Amazônia do INPE há cinco anos e participante do grupo de desenvolvimento do Prodes desde os seus primórdios nos anos 70.
Ao mesmo tempo em que Dalton ressalta a disponibilidade dos mapas e das estimativas de taxas anuais de desmatamento como um marco do Prodes – “Enquanto não se distribuía os mapas, as ONGs faziam muitas críticas ao Governo sobre um intencional ocultamento de dados de destruição da floresta”, lembra – , o ano de 2004 também se destacou no decorrer das duas décadas de monitoramento com o advento do Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), que também faz parte do Programa Amazônia do INPE (um terceiro sistema do programa específico para exploração madeireira está em vias de conclusão para início de funcionamento). O Deter é um sistema operacional que produz informação em tempo “quase real” sobre as regiões onde estão ocorrendo novos desmatamentos na Amazônia Legal e complementa os dados gerados pelo Prodes.
O Deter também utiliza imagens de satélite, só que estas têm moderada resolução espacial - a área mínima de desmatamento detectada é de 25 hectares - e alta resolução temporal. Ou seja, ele não tem a precisão de 6 hectares do Prodes, mas é capaz de produzir análises quinzenais do processo de degradação da Amazônia, orientando ações mais dinâmicas de controle por parte dos órgãos públicos responsáveis. “No Prodes, o Deter ajuda a apontar novas áreas de desmatamento e também indica mais pontualmente onde o processo diminuiu ou estabilizou e onde está em crescimento”, explica Dalton.
Evolução do monitoramento
Na década de 70 as imagens de satélite eram impressas em papel e a escala mais comum era algo em torno de 1:1.000.000, o que significa que a distância real sofreu uma redução de 1 milhão de vezes para se adequar ao tamanho do mapa. Em 1977, o também extinto IBDF (atual IBAMA) montou uma equipe juntamente com especialistas do INPE e durante três anos o grupo trabalhou num piloto do que seria o Prodes, aprimorando técnicas de interpretação de imagens e geração de mapas com escalas mais detalhadas – nesse momento já se chegavam em escalas de 1:500.000. Este trabalho gerou um inventário completo do desmatamento na Amazônia legal no período dos estudos.
Outro campo de treinamento fundamental para a implementação do Prodes foi o que é chamado de IMAGE 100, ou I -100, um “mini computador” utilizado pela equipe de sensoriamento remoto do INPE ao longo dos anos 70 para desenvolvimento de softwares. Neste período foram aperfeiçoados conhecimentos utilizados até hoje para realce de imagens, transformações geométricas, conversão de imagens em mapas e processamento de imagens em geral. Na década de 80, os estudos ficaram “na geladeira” até o ano de 1986, quando uma série de queimadas muito intensas acometeu a Amazônia e o Brasil ficou na berlinda no cenário internacional. Isso fez com que o Governo solicitasse formalmente ao INPE a retomada do desenvolvimento do sistema de monitoramento da floresta.
Entre 1986 e 1988 foi feito um mapa com todo o desmatamento acumulado até então, usado como base para comparação das áreas de desmatamento nos anos seguintes. Neste momento a tecnologia desenvolvida já permitia a obtenção de imagens coloridas numa escala 1:250.000, que é o padrão utilizado até os dias atuais. E o objetivo do trabalho passou a ser produzir informação útil para o Governo em relação ao desmatamento da cobertura florestal na Amazônia legal, uma área estimada em 4 mil km2 – bem diferente da intenção inicial do trabalho de monitoramento requerido pela SUDAM nos anos 70.
“Até o ano de 2002 fazíamos as comparações dos mapas anuais na mão, sobrepondo uma carta sobre a outra, pintando as novas áreas de desmatamento e usando um sistema de processamento de imagem para calcular as taxas finais. Nos anos 90 tivemos alguns avanços de tecnologia de segmentação e classificação de imagens e de ferramentas de edição e em 1997 nasceu o Prodes digital. Ele funcionou experimentalmente até 2002, quando todos os mapas analógicos foram substituídos”, conta Dalton. Alguns dos desafios para os próximos anos são investir em tecnologia para melhoria da resolução das imagens – novas câmeras e sensores mais avançados em satélites brasileiros, por exemplo – e incorporação de radares, para resolver a barreira física imposta nos períodos de muitas nuvens que impacta a precisão dos dados. “Também queremos manter a divulgação das taxas de desmatamento para antes do final do ano, como estamos conseguindo fazer desde 2006”, ressalta o coordenador.
Fiscalização
Uma das grandes vantagens proporcionadas pelo Prodes foi o amadurecimento da crítica feita aos órgãos públicos fiscalizadores em relação à eficiência do controle de desmatamento na Amazônia. Se no início da década a crítica era sobre um possível ocultamento de dados de desmatamento, hoje, 20 anos depois do início do monitoramento, chega-se a uma conclusão mais grave: além de medir o crescente desmatamento na Amazônia, o Prodes acaba medindo a incapacidade dos órgãos responsáveis pela fiscalização em coibir as ações de desmatamento “fotografadas”, algumas vezes, em tempo real.
“O Prodes e o Deter são ferramentas muito importantes, pois permitem que se tomem ações mais preventivas de proteção da floresta. Mas o problema é que estes sistemas não podem ser analisados isoladamente, pois estão dentro de um contexto que é deficiente em termos de fiscalização. Infelizmente o Estado não tem tido competência o suficiente para utilizar estes instrumentos da melhor forma”, afirma Mario Menezes, diretor-adjunto da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. E esta opinião é reforçada por outras organizações não-governamentais. “O sistema é extremamente válido e demonstra que o INPE está na linha de frente em termos de tecnologia de monitoramento de desmatamento em cobertura florestal. Mas a questão é que a medição não tem uma reação de fiscalização à altura, até porque até hoje não existe um cadastro efetivo de proprietário de terras na Amazônia para se chegar até os responsáveis pelo desmatamento e puni-los efetivamente”, diz Adrian Garda, diretor do Programa Amazônia da Conservation International.
O próprio coordenador do Prodes ressalta o aumento dos números do desmatamento medidos nos últimos anos e a desmistificação de alguns paradigmas que antes eram considerados como verdadeiros, como o de que a destruição da floresta diminuía no período de chuvas – em 2008 o Deter mostrou que foram derrubados no mês de fevereiro 724 km2 de floresta, número 12% maior que os 639 km2 derrubados em janeiro. “Diria que o Prodes ajudou o Governo a provar que a política de ocupação da floresta idealizada nos anos 60 acabou dando certo, pois o lay-out de desmatamento segue exatamente o que havia sido planejado. Depois desses 20 anos já é possível traçar tendências anuais e padrões de desmatamento que propiciam otimizar os esforços de fiscalização. Não há mais motivos para justificar que o desmatamento é uma surpresa”, diz Dalton.
(Por Jaqueline B. Ramos*, OEco, 07/08/2008)
*Jaqueline B. Ramos é repórter em São José dos Campos (SP) e escreve o blog Ambiente-se.