Às vezes você apenas deseja ser um fotógrafo. Eu simplesmente não tenho palavras para descrever a impressionante magnificência da Geleira Kangia, na Groenlândia, espalhando icebergs massivos do tamanho de arranha-céus e lentamente os empurrando para o Fiorde Ilulissat, até que eles se colidam com o oceano na costa ocidental. Lá, essas esculturas de gelo naturais flutuam e sacodem as águas geladas. Você pode navegar entre elas em um barco de pesca, ouvindo esses monstros brancos de gelo estalarem, quebrarem e suspirarem, como se eles estivessem protestando contra seu destino.
Você está completamente sozinho aqui entre esses icebergs gigantes, salvo pelo solitário pescador que anda por ali. Nosso comandante groenlandês se alinha com a pequena embarcação de pesca, onde se compram alguns peixes direto da rede, cortam suas bochechas macias e me servem o sushi mais fresco que eu já experimentei. “O fast food da Groenlândia”, ironiza Kim Kielsen, ministro do Meio-Ambiente do país.
Nós o comemos com uísque gelado por cubos de gelo de cinco mil anos tirados das geleiras flutuantes. Alguns países têm uísque antigo, outros vinho antigo. A Groenlândia tem gelo antigo.
Porém, eu não trabalho para a National Geographic. Essa é a parte de opinião. E minha viagem com o ministro de Clima e Energia da Dinamarca, Connie Hedegaard, para ver os efeitos das mudanças climáticas nas geleiras da Groenlândia me deixou com uma opinião muito forte: nossos filhos ficarão muito bravos com nós um dia.
Nós carregamos o futuro deles em nossos cartões de crédito. Acrescentamos tantos gases de efeito estufa à atmosfera, para o crescimento de nossa geração, que nossos filhos provavelmente irão passar boa parte de sua vida adulta, talvez toda ela, simplesmente lidando com as implicações climáticas de nossa depravação. E agora nossos líderes dizem a eles que a maneira de escapar disso é “escavação perto da praia” por mais combustíveis fósseis responsáveis pelo aquecimento global.
Loucura. Pura loucura.
Inúmeros efeitos
A maioria das pessoas acredita que os efeitos das mudanças climáticas serão sentidos com outro grande desastre, como o furacão Katrina. Não necessariamente, diz Minik Thorleif Rosing, importante geólogo do Museu de História Natural da Dinamarca e um dos meus companheiros de viagem. “A maioria das pessoas irá sentir as mudanças climáticas nas cartas entregues pelo correio”, ele explica. Elas virão na forma de contas de água mais caras, por causa das secas cada vez mais freqüentes em algumas áreas; contas de energia mais caras, porque o uso de combustíveis fósseis se tornará proibido; e maiores seguros e hipotecas, devido ao tempo muito mais violentamente imprevisível.
Lembre-se: mudanças climáticas significam “bizarrices globais”, não somente aquecimento global. A Groenlândia é um dos melhores lugares para observar os efeitos das mudanças climáticas. Como a maior ilha do mundo tem apenas 55 mil pessoas e nenhuma indústria, as condições de sua enorme geleira – assim como sua temperatura, precipitação e ventos – são influenciados pela atmosfera global e correntes marítimas que convergem aqui. Qualquer coisa que aconteça na China ou no Brasil é sentido. E como os groenlandeses vivem perto da natureza, eles são barômetros ambulantes da mudança climática.
Mais rápido que previsto
Foi assim que eu aprendi uma nova língua aqui: “Expressões Climáticas”. É fácil de aprender. Existem somente três frases. A primeira é: “há apenas alguns anos”. Há apenas alguns anos, você podia andar de trenó da Groenlândia, através de um banco de gelo de 64 quilômetros, para a Ilha Disko. Mas nos últimos anos, o aumento das temperaturas no inverno groenlandês derreteu esse caminho. Agora, Disko está isolada. Pode guardar o trenó.
Houve um aumento de 30% no derretimento da geleira da Groenlândia entre 1979 e 2007 e, em 2007, foi 10% maior do que em qualquer ano anterior, disse Konrad Steffen, diretor do Instituto Cooperativo de Pesquisa e Ciências Ambientais da Universidade do Colorado, que monitora o gelo.
A Groenlândia agora perde 200 quilômetros cúbicos de gelo por ano – de derretimento e deslize de gelo para o oceano a geleiras das pontas que se desprendem – que excede bastante o volume de todo gelo nos Alpes Europeus, ele acrescentou. “Tudo está acontecendo mais rápido que o previsto”.
A segunda frase é; “eu nunca vi isso antes”. Choveu em dezembro e janeiro em Ilulissat, que fica bem acima do Círculo Ártico! Não é para chover aqui no inverno. Steffen disse: “há 20 anos, se eu dissesse ao povo de Ilulissat que iria chover no Natal de 2007, eles teriam dado risada de mim. Hoje é uma realidade”.
A terceira frase é: “bom, normalmente, mas agora eu não sei mais”. Os padrões climáticos tradicionais que os idosos da Groenlândia conheceram sua vida inteira mudaram tão rápido em alguns lugares que “a experiência acumulada dos mais velhos não é mais tão valiosa quanto antes”, disse Rosing. O rio que sempre esteve lá agora secou. A geleira que sempre cobriu aquela montanha desapareceu. As renas que sempre estavam lá quando a temporada de caça começava, no dia 1º de agosto, não apareceram. É por isso que todo mundo aqui fala climático agora – seus filhos também, mais rápido do que você pensa.
(Por Thomas L. Friedman, NYT, Último Segundo, 06/08/2008)