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mata atlântica desmatamento poluição em rios
2008-08-06

Este é meu artigo de estréia no O Eco. Vou revelar toda a saga do esforço para tentar salvar a Mata Atlântica no lugar onde nasci e me criei, em Itaiópolis (SC). E este artigo é o 1º capítulo desta história, que é real.

Ao conhecerem esta história integralmente, os leitores do O Eco vão entender porque é tão difícil salvar o que resta da Mata Atlântica. Os primeiros artigos serão sobre a obsessão para salvar as o rio Itajaí, cujas cabeceiras ficam nos municípios catarinense de Itaiópolis e Papanduva, cidade de minha mãe e avós maternos, onde também passei parte de minha infância.
 
Eu tive o privilégio de ter nascido e vivido minha infância e adolescência em Itaiópolis (SC), o terceiro município em extensão territorial do Estado, com 2.077 km2, que até há pouco tempo 75% de área preservada de Mata Atlântica, mas rapidamente foi reduzida para os índices atuais de 35%. Com a emancipação de um de seus distritos, Santa Terezinha, o Município também ficou menor.
 
Para quem aprendeu a valorizar o que Itaiópolis tinha de mais abundante e mais belo, ou seja, a natureza, pode ser também extremamente angustiante, um suplício, ter nascido e vivido ali. Testemunhei - e suportei - em poucos anos uma devastação que nossos antepassados europeus levaram séculos, dezenas de gerações. Aquelas imensas áreas preservadas de pinheirais (matas de araucárias) que chegavam até o pátio da igreja matriz, da escola e da minha casa rapidamente se afastaram.
Um lugar de Itaiópolis que sempre me fascinou foi o rio Itajaí, que, na verdade, é um dos afluentes do rio Itajaí que passa em Blumenau. É ali que ficam as cabeceiras do rio Itajaí. Em Itaiópolis, há décadas todos chamam de rio Itajaí. Mas ao consultar os mapas descobri que este rio tinha outro nome, rio Hercílio. Nome que algum político usou para homenagear um ex-governador de Santa Catarina. Há um nome alternativo que alguns mapas trazem, "rio Itajaí do Norte". Contudo, para nós, itaiopolenses, é "rio Itajaí", e pronto!

Passei os melhores momentos da minha vida apreciando este rio e sua mata ciliar. O único problema é que ele é bem distante do centro de Itaiópolis, cerca de 30 km. Mas ficava bem isolado com sua bacia hidrográfica ingralmente preservada, com baixa ocupação humana. Devido a esta distância, eu só podia ir lá poucas vezes. Meus irmãos me levavam a partir dos meus 9 anos de idade, quando eles iam pescar. Eles precisam de alguém para limpar os peixes, buscar água para o rancho e cuidar do jipe quando eles iam para outros pontos do rio, mais afastados do rancho. Assim, minha vaga estava sempre garantida. Eu tinha apenas que vencer a resistência de minha mãe (eu era o caçula).

As águas do rio Itajaí eram puríssimas, bem cristalinas e muito abundantes em peixes, como mandi, jundiá, bagres, cascudos (dos grandes) e lambaris. Foi neste cenário que eu aprendi a nadar e também quase morri afogado. Fui salvo quando estava no último suspiro. O rio Itajaí tem corredeiras muito fortes e algumas áreas de remanso, que formam grandes poços, com mais de 150 metros de largura em alguns trechos. Meus irmãos haviam me alertado para que eu nadasse somente num canto da margem. Então, como toda a criança, eu estava me divertindo muito ali, mas estava perdendo a graça ficar só naquele cantinho. Resolvi me aventurar um pouco além. A corredeira me arrastou para o centro do poço e eu comecei a gritar por socorro. Se não fosse a habilidade e o vigor físico de um dos meus irmãos...
 
Porém, já naquela época eu comecei a ver coisas erradas acontecendo no rio Itajaí. Estavam derrubando a mata ciliar para fazer carvão. Os pinus vieram mais tarde. Nesta época, só se fazia o extrativismo em Itaiópolis, de madeira e erva mate. O carvão foi uma novidade que apareceu por lá. Lembro-me bem naquela época, início dos anos 70, todos já sabiam que era proibido por lei desmatar as margens dos rios e terrenos com forte declividade.
 
O que me deixava mais indignado e angustiado, pois além da destruírem a natureza estavam desrespeitando as leis. Era um empresário de Itaiópolis que fazia isso, que já faleceu. Por ironia, seu filho continua esta obra, tendo já devastado uma imensa área, com mais de 7 km de mata ciliar, para implantar reflorestamentos de pinus/eucalipto. E só foi autuado há pouco tempo, quase 40 anos depois da motosserra roncar ali pela primeira vez.

Fui embora de Itaiópolis para estudar e fiquei muitos anos sem visitar aquele paraíso, isto é, o rio Itajaí e as matas preservadas dos morros e vales. Quando comprei meu primeiro carro, resultado de meu trabalho como pesquisador, a primeira viagem foi rever aquela paisagem. Para minha surpresa – e felicidade -, ainda não tinham conseguido acabar com tudo. Mas a água do rio Itajaí estava bastante turva.
 
Comecei a freqüentar a região com freqüência e ver que a destruição estava intensa, que continuava um lugar sem lei. Então, comecei a enviar denúncias insistentes para o IBAMA. E, finalmente, depois de tantos anos, pela primeira vez, a fiscalização do IBAMA-SC colocou os pés nesta região do alto vale do rio Itajaí. E os primeiros devastadores começaram a ser punidos. Isso foi em 2004.
 
A Elza sempre me acompanhava nestas aventuras. Ela gostava muito de praia e eu consegui convencê-la que as lajes do rio Itajaí era o melhor lugar do mundo para tomar sol. Então, ela não fazia objeção em trocar a praia pelas lajes do rio Itajaí. Numa dessas excursões, ficamos na casa dos pais de uma amiga, na localidade Barra da Prata.
 
Nesta localidade, fomos explorar as margens do Itajaí e encontramos uma armadilha para capturar lambaris numa pequena queda do rio Itajaí. Alguém tinha abatido recentemente duas árvores bem altas e grossas, de tronco reto (repletos de orquídeas, bromélias e outras epífitas) que ficaram atravessados sobre as rochas expostas no leito do rio, servindo de suporte para uma tela de aço de malha bem fina, com vários metros de comprimento. Funcionava como gigantesca peneira, que filtrava quase todo o volume de água do rio Itajaí, capturando todos os lambaris e outros peixes, grandes e pequenos que transitassem por aquele trecho do rio.
 
Aplicando uma força do além, com ajuda da alavanca improvisada, eu consegui rolar os troncos que estavam apoiados sobre as rochas, e toda aquela engenhoca foi arrastada pela corredeira rio abaixo, para fundo do poço. E, pronto! Missão cumprida. Desfeita mais uma sacanagem contra o rio Itajaí, contra a natureza. A operação durou umas duas horas.

Uns 300 metros abaixo do local da armadilha, a Elza achou uma laje apropriada e ali deitou-se para se expor ao sol. Quanto a mim, depois de tanto nadar no rio Itajaí, resolvi subir numa árvore. De repetente, apareceram dois caras, fortemente armados. Cada um portava uma espingarda e uma faca na cinta, mas um deles tinha também um revólver 38 na cinta e uma cartucheira presa ao corpo como os cangaceiros usavam. Eles vieram direto em minha direção e passaram pela Elza como se ela estivesse invisível. Tratei de descer rapidamente da árvore e quando eles chegaram, eu já estava no chão. Estavam furiosos e aos gritos, muito nervoso, o mais velho colocou a mão no revólver e disse: "quero saber quem foi o desgraçado que retirou a tela". Bom, aí é uma longa história de como eu consegui convencê-lo que não havia a menor possibilidade de ser eu.
 
No final da abordagem, de forma muito gentil, convidou-me para tomar um chimarrão na casa dele. Eu não aprecio chimarrão, mas, naquelas circunstâncias, eu aceitei prontamente o convite como um cara que aceita um copo de água fresquinha depois de atravessar um deserto sem ter encontrado água para beber.
 
No caminho de volta para a casa onde estávamos hospedados, fomos tomar chimarrão na casa do sujeito. Conversamos a tarde toda como se fossemos velhos amigos. Quando chegamos à casa da nossa anfitriã contamos a história. Ela ficou muito apavorada, em estado de choque. Revelou que o sujeito já havia assassinado 3 pessoas na localidade e uma semana antes, haviam assassinado um filho dele. Acrescentou ainda, que todo mundo estava com muito medo porque ele poderia matar alguém por qualquer motivo.
 
Já imaginou se ele me pega desmanchando aquela armadilha? É que nossos valores eram bem diferentes. Eu estava – e estou – determinado a defender o rio Itajaí, que sempre esteve indefeso nas mãos dos agressores. Também, avaliei mal a reação de um infrator que derruba duas árvores muito mais velhas do que ele, numa área de preservação permanente, calculando para elas tombarem sobre o leito do rio, para cometer outro crime de pesca predatória. Achava que um sujeito desses teria vergonha de se apresentar, mesmo com um revolver na cinta.
 
Lembrando que a famosa enchente de 1983 que devastou Blumenau, ceifando a vida de centenas de pessoas, foi justamente conseqüência do desmatamento nas cabeceiras do rio Itajaí e foi estes troncos e galhadas no leito do rio que arrebentaram todas as pontes ao represarem a água e este represamento amplificou o efeito devastador da enchente.
 
(Por Germano Woehl Jr.*, OEco, 05/08/2008)
*www.ra-bugio.org.br


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