Um mundo com energia abundante e "limpa" ficou mais próximo graças a dois estudos publicados na última edição da revista "Science". Os novos trabalhos apontam para um possível futuro com carros mais eficientes e que não emitem gases causadores do efeito estufa.
As descobertas dizem respeito à fabricação das chamadas células de combustível movidas a hidrogênio -uma espécie de bateria que se vale da energia daquele que é um dos elementos químicos mais abundantes da Terra. A conhecida fórmula H2O, afinal, significa que cada molécula de água tem dois átomos de hidrogênio.
Quebrar e juntar o hidrogênio e o oxigênio da água de modo econômico é o grande desafio. A quebra precisa ser feita para produzir o hidrogênio, pois a forma molecular do elemento (H2), que será usado como combustível, praticamente não existe na Terra.
É possível, porém, separar os dois elementos químicos passando uma corrente elétrica no líquido. Faz mais de dois séculos que se conhece esse processo, chamado eletrólise. Para isso são usado dois eletrodos, feitos de metal, um positivo (ânodo) e outro negativo (cátodo).
Esses dispositivos servem não só para quebrar a molécula de água mas também para produzi-la de novo num processo que libera energia. É esse o princípio da célula de combustível. O escapamento de um carro a hidrogênio solta vapor d'água em vez de poluição.
Um dos problemas para tornar a célula de combustível uma tecnologia economicamente viável é que os melhores eletrodos disponíveis precisam de platina, metal raro e caro.
Sem platina
Os dois estudos na "Science", pois, acenam justamente com alternativas baratas à platina. Novos eletrodos são feitos de materiais comuns ligados a compostos "catalisadores", que quebram a molécula da água produzindo os gases hidrogênio e oxigênio (H2 e O2).
A equipe de Daniel Nocera, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), conseguiu produzir oxigênio usando catalisadores baseados em elementos comuns, como fósforo e cobalto. Ele usou um eletrodo de vidro condutor em água contendo cobalto e fosfatos.
Sob corrente elétrica, uma camada fina escura se formou em torno do eletrodo, de onde surgiam bolhas de oxigênio. Falta ainda, claro, um meio semelhante de produzir o hidrogênio, e uma fonte de energia para alimentar a eletrólise. Para isso, Nocera sugere o Sol.
Uma hora da luz solar que atinge a Terra seria suficiente para suprir as necessidades de energia de todo o planeta por um ano. Nocera diz acreditar que em uma década será possível suprir a demanda elétrica de uma residência com energia solar, armazenando-se o excesso nas células de combustível.
No segundo estudo, o grupo de Bjorn Winther-Jensen da Universidade Monash, de Clayton (Austrália), atuou na outra ponta do processo: usar o hidrogênio para gerar a energia dos motores para carros. Para isso, criou um eletrodo de materiais orgânicos, um deles o tecido plástico poroso goretex.
A união de outro plástico condutor de eletricidade com o goretex já permitiria criar células de combustível para uso em veículos, diz o cientista.
O goretex é um tecido "respirável". Em roupas, permite a passagem de vapor, mas bloqueia água em estado líquido -o que permite a saída do suor do corpo. No motor a hidrogênio, outro plástico misturado ao goretex poderia servir de eletrodo, e o material composto permitiria à célula de combustível "transpirar" também.
Segundo Winther-Jensen, substituir a platina é importante não apenas por causa de seu alto preço. A produção mundial desse metal não será suficiente nem para 5% da frota mundial de veículos caso o mundo pretenda trocar a gasolina pelo hidrogênio no futuro.
(Por Ricardo Bonalume Neto, Folha de S. Paulo, 06/08/2008)