"O/a consumidor/a precisa cobrar das empresas das quais está acostumado a consumir as informações socioambientais do processo produtivos e também do pré-consumo e pós-consumo", defende a socióloga Lisa Gunn.
“A verdade é que o consumidor hoje não tem muita informação para entender realmente os impactos dos seus hábitos de consumo”, segundo a socióloga Lisa Gunn, que concedeu por telefone a entrevista abaixo à IHU On-Line. Ela falou sobre a pessoa humana ecologicamente correta e as dificuldades de contribuir com atitudes sustentáveis. Acredita que o consumidor precisa ter uma atitude menos passiva “e cobrar das empresas das quais está acostumado a consumir justamente essas informações socioambientais do processo produtivos e também do pré-consumo e pós-consumo, assim como exigir dos governantes uma atitude a favor de políticas públicas que incentivem o desenvolvimento dessas atitudes sustentáveis”.
Lisa Gunn é formada em Antropologia e Sociologia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Realizou especialização em Desenvolvimento Sustentável, pela Carl Duisberg Gesselschaft, na Alemanha. É mestre em Ciência Ambiental, pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é coordenadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Confira a entrevista.IHU On-Line – Hoje, o que é a pessoa ecologicamente correta?
Lisa Gunn – É aquela que faz uma reflexão sobre os seus hábitos de consumo para realmente minimizar os impactos sociais e ambientais negativos. Isso não é fácil. A reflexão deve ser feita partindo do princípio da redução. Hoje, grande parte da população ainda sofre restrição de acesso a produtos e serviços, mas, atendidas as necessidades básicas, é preciso haver uma profunda mudança nos hábitos de consumo para de fato minimizar o impacto que existe. A pesquisa feita pelo WWF e pelo Ibope indica que seriam necessários três planetas Terra se todo mundo consumisse como as classes A e B no Brasil.
IHU On-Line – Há muitas contradições no que diz respeito às ações sustentáveis e ecologicamente corretas. Hoje, para conter problemas ecológicos e sociais, devemos pensar globalmente ou localmente primeiro?
Lisa Gunn – A sustentabilidade é baseada em três pilares: social, ambiental e econômico. A verdade é que o consumidor hoje não possui muita informação para entender realmente os impactos dos seus hábitos de consumo. É importante ele ter em mente que existe uma complexidade neste tema. Isso não é uma responsabilidade exclusiva do consumidor. Infelizmente, hoje, o consumidor depende de decisões regulares do Estado e de uma pró-atividade que, muitas vezes, não existe por parte das empresas em fornecer informações e opções viáveis ao consumidor.
IHU On-Line – Então, o que o consumidor precisa fazer nesse cenário de tanta dificuldade?
Lisa Gunn – Primeiro, é preciso deixar de ter uma postura passiva e cobrar das empresas das quais está acostumado a consumir justamente essas informações socioambientais do processo produtivos e também do pré-consumo e pós-consumo, assim como exigir dos governantes uma atitude a favor de políticas públicas que incentivem o desenvolvimento dessas atitudes sustentáveis. Nem tudo é tão difícil assim. Há uma série de soluções que podem ser adotadas justamente para facilitar essa mudança nos padrões de produção e consumo.
IHU On-Line – Faltam que tipo de alternativas para que as pessoas possam ter atitudes sustentáveis?
Lisa Gunn – Há diferentes níveis. Muita gente fala sobre a distância entre consciência e mudança de hábito, mas eu acredito que precisamos ser muito perspicazes, no sentido de identificar claramente quais são as restrições para uma mudança de hábito. Muitas vezes, os consumidores têm informações sobre os problemas, mas não sobre as alternativas. Em outros momentos, eles têm informações sobre as alternativas, mas não recursos financeiros, porque as alternativas implicam num custo maior. E outras vezes ainda não existe a solução de fato. Então, eu penso que cada ator deve assumir a sua responsabilidade.
IHU On-Line – Quando o país trabalha, economicamente, para desenvolver o agronegócio, como trabalhar a questão de que o consumo de carne bovina contribui para o aquecimento global?
Lisa Gunn – Na verdade, às vezes devemos questionar o modelo de negócio. No caso do agronegócio brasileiro, tentamos questionar justamente que a sustentabilidade é inviável nesse modelo de negócio, ou seja, monocultura e latifúndios. No caso da carne, eu entendo que são problemas de diferentes ordens que precisam ser combatidos não só pelo poder público na fiscalização, mas também no setor privado. Questionamos, por exemplo, os supermercados para saber se eles exigem dos fornecedores um sistema de rastreabilidade que garanta que a carne comercializada em seu estabelecimento não venha de áreas de desmatamento na Amazônia. É mais ou menos dizer que o problema da Amazônia depende de uma atuação concreta do poder público em fiscalizar, mas não é uma exclusividade do poder público. É necessário que o mercado assuma sua responsabilidade para garantir que não existe mercado para esse produto que ocasiona grande impacto socioambiental.
IHU On-Line – Como podemos solucionar o conflito entre alimento e energia?
Lisa Gunn – Não existe resposta fácil. Mas eu entendo que não podemos pautar o desenvolvimento apenas pela questão econômica.
IHU On-Line – Se consumirmos menos, como você acredita que, por exemplo, o agronegócio, que influencia a política brasileira, vai reagir?
Lisa Gunn – Quando houver uma restrição ambiental, tanto na questão da oferta de matéria-prima quanto dos impactos econômicos negativos, que os impactos econômicos irão gerar, o que as grandes empresas farão? Na China, um pouco antes de começarem os Jogos Olímpicos, para reduzir o problema ambiental, as fábricas e obras precisam parar. Então, qual é o custo econômico dos problemas ambientais que estamos enfrentando? Consumir menos vai fazer com que o setor privado ache novos modelos de negócio, e o sistema capitalismo é criativo o bastante para se reinventar. O que não é possível negligenciar são os custos que teremos de incorporar por conta da nossa incapacidade de admitir que passamos por restrições ambientais com tantos impactos negativos para a sociedade.
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Instituto Humanitas Unisinos, 06/08/20008)