Um estudo analisou parte do desenvolvimento industrial da Amazônia e constatou que, ainda que esse processo seja fortemente baseado na exploração predatória dos recursos naturais – sobretudo no caso das indústrias madeireiras e de mineração –, dois setores em particular têm desempenhado atividades produtivas em bases sustentáveis, mantendo sólida articulação de pesquisa e desenvolvimento (P&D) com centros e instituições de pesquisa.
De acordo com a dissertação de mestrado da geógrafa Laís Mourão Miguel, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), as responsáveis pela adoção desse modelo de negócio inovador de exploração dos recursos naturais são as bioindústrias de cosméticos e de fitoterápicos atuantes na Amazônia.
Laís pesquisou 12 bioindústrias, de diferentes portes, instaladas nas regiões metropolitanas de Manaus e Belém. O trabalho envolveu visitas técnicas e entrevistas com dirigentes e outros representantes das bioindústrias e de centros de pesquisa tecnológica da região.
O objetivo da pesquisa, orientada por Wanderley Messias da Costa, professor do Departamento de Geografia da FFLCH, foi traçar um panorama geral desses dois segmentos industriais, de modo a abordar suas experiências atuais e perspectivas futuras.
“Não foi um estudo quantitativo, mas podemos dizer que a maioria das indústrias analisadas busca a sustentabilidade desde o início da cadeia produtiva, comprando matérias-primas certificadas, seja para desenvolver apenas um insumo ou para chegar ao produto final. Esse foi um dos critérios para a conclusão de que o processo produtivo das bioindústrias da região é sustentável do ponto de vista ambiental”, disse Laís à Agência Fapesp.
“As pequenas indústrias que ainda não trabalham com certificação de matérias-primas estão tentando se adequar a esse sistema de selo verde que garante o uso sustentável da biodiversidade regional. Isso porque as indústrias que ainda não certificam suas matérias-primas têm dificuldade, por exemplo, para exportar seus produtos. O problema ainda são os altos custos para essa adequação”, explicou.
Outro critério utilizado para a afirmação de que as empresas valorizam a sustentabilidade foi o processo de beneficiamento dos produtos naturais. “Essas bioindústrias introduziram novas bases técnicas em suas linhas de produção, de modo a valorizar a inovação tecnológica em seus produtos e processos”, afirmou.
Segundo a pesquisadora, esses empreendimentos podem ser considerados como modalidades produtivas alternativas se comparados aos demais setores ligados à exploração dos recursos naturais amazônicos, como os modelos empregados nas atividades de mineração e da indústria madeireira.
Parceria universidade-empresa
A geógrafa, que teve bolsa de mestrado da Fapesp, também analisou a interação das 12 indústrias com os centros de pesquisa da região e com os pequenos empreendimentos apoiados por programas de incubação de empresas de base tecnológica.
Na perspectiva das atividades produtivas sustentáveis destaca-se, segundo o trabalho, a experiência dos empresários com o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que estimulou significativamente o desenvolvimento da cadeia produtiva regional.
“Apesar de já ter sido encerrado, o Probem foi fundamental para alavancar o setor bioindustrial e as redes de pesquisa em bioprospecção. Outra meta do Probem foi a implantação do Centro de Biotecnologia da Amazônia, em Manaus”, disse Laís.
O trabalho aponta ainda uma integração entre o desenvolvimento da bioindústria e as atividades de P&D exercidas pelas principais instituições de pesquisa da Amazônia, no que se refere aos processos de inovação para o aproveitamento do potencial da biodiversidade local.
As instituições que mais participam, segundo o estudo, do esforço de P&D em parceria com a indústria para a geração de tecnologias e bioprodutos a partir dos recursos naturais são o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) e a Universidade Federal do Pará (UFPA).
“O desenvolvimento de produtos inovadores nas bioindústrias pesquisadas está fortemente vinculado às universidades e instituições de pesquisa locais, além das indústrias também manterem parcerias com laboratórios de outros estados para análise e agregação de valor a novos produtos”, disse Laís.
“Essas instituições têm prestado apoio especializado na inovação tecnológica de produtos ou processos a um número cada vez maior de empreendimentos da área de biotecnologia na Amazônia. Todas as indústrias analisadas mantinham, durante a coleta dos dados, pelo menos um projeto de pesquisa em parceria com alguma instituição de ensino e pesquisa do país”, destacou.
Segundo o estudo, as matérias-primas da Amazônia analisadas demonstraram viabilidade para o desenvolvimento de um extenso grupo de insumos e produtos, entre os quais medicamentos provenientes de plantas medicinais, produtos de higiene pessoal, perfumaria, insumos e extratos padronizados, produtos alimentícios, enzimas de interesse industrial, corantes e conservantes derivados de plantas, animais e microrganismos.
(Por Thiago Romero, Agência Fapesp, 06/08/2008)