O cultivo de milho transgênico causou uma drástica redução nos cultivos de milho orgânico na Espanha, o que evidencia a impossibilidade de coexistência entre os dois sistemas de produção. Esta é a principal conclusão da primeira pesquisa de campo em larga escala feita na Europa para avaliar na prática o conceito da coexistência. O estudo foi conduzido por Rosa Binimelis, pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental (ICTA) da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), que analisou a situação na Catalunha e em Aragão, regiões onde se concentra a maior produção de transgênicos na Europa.
Binimelis está trabalhando no projeto que tem como objetivo desenvolver e testar metodologias para a avaliação de riscos ambientais em larga escala. Os resultados do estudo, que analisa a aplicação do conceito da coexistência entre a agricultura transgênica e a agricultura orgânica na União Européia, foram publicados no Journal of Agricultural and Environmental Ethics.
Outro aspecto analisado na pesquisa é o confronto social entre defensores e opositores da tecnologia no que diz respeito às medidas a serem tomadas sobre a responsabilização por danos nos casos de contaminação. De um lado, há incertezas técnicas na medição do nível de contaminação e na definição de sua origem, que criam dificuldades para os agricultores requererem compensação quando suas lavouras são contaminadas. De outro, há hesitações relativas a possíveis conflitos sociais: muitos agricultores que poderiam mover processos por danos preferem não fazê-lo para evitar conflitos locais em comunidades pequenas.
A agricultura transgênica foi introduzida na Espanha em 1998. E o conceito da coexistência entre a produção transgênica e a orgânica foi introduzido em 2002 pela Comissão Européia, com dois objetivos: lidar com as crescentes preocupações relativas à contaminação dos cultivos (sobretudo considerando que agricultores orgânicos se comprometem em não usar sementes transgênicas), e facilitar a suspensão da ?moratória de fato? que vigorava na Europa à época.
Este ano a Comissão Européia está planejando avaliar como a política da coexistência foi implementada nos últimos dez anos. A pesquisa de Binimelis é inédita e especialmente relevante para a avaliação da Comissão Européia.
A área usada para o plantio de milho transgênico em 2007 na Catalunha e em Aragão foi, respectivamente, de 23 mil e 35,9 mil hectares, representando 55% e 42% da área plantada com milho.
Como resultado, a área destinada ao plantio de milho orgânico foi reduzida em 75% na Catalunha entre 2004 e 2007. Em Aragão o estudo observou uma queda de apenas 5% no cultivo de milho orgânico, mas destacou a ausência de dados recentes para a região só há dados disponíveis até 2005, quando o cultivo de milho transgênico ainda não estava tão disseminado quanto hoje. Entretanto, a mesma tendência para os anos seguintes é confirmada por órgãos de certificação orgânica na região.
A autora destacou ainda que agricultura orgânica está em expansão na Espanha, aumentando tanto em número de produtores como em hectares. Esta tendência é revertida apenas no caso do milho, único cultivo transgênico plantado no país.
O estudo conclui que tanto o conceito da coexistência como a implementação de diferentes propostas neste sentido geraram novos problemas, ao invés de resolver aqueles já existentes. Os resultados existentes até agora mostram apenas a agricultura transgênica suprimindo qualquer outra alternativa.
O Brasil acaba de autorizar o cultivo comercial de três variedades de milho transgênico. A CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) publicou uma regra de coexistência somente após ter aprovado o milho transgênico e mesmo assim só porque foi obrigada pela Justiça. Na verdade, trata-se apenas de uma definição de distância de isolamento entre o milho transgênico e o não-transgênico. São irrisórios 100 metros ou 20 no caso de a lavoura modificada ser rodeada por pelo menos 10 fileiras de milho não-transgênico.
O exemplo europeu está mostrando que a convivência entre os dois sistemas de cultivo é impossível, e deveria inspirar as autoridades brasileiras a proibir o milho transgênico e assim evitar a catástrofe da contaminação generalizada do milho brasileiro e a perda da enorme agrobiodiversidade da cultura existente no país.
(AS-PTA, La Biodiversidad, 05/08/2008)