O Fórum Amazônia Sustentável, uma iniciativa liderada pelas organizações Instituto Ethos, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Instituto Sócio-Ambiental (ISA), foi lançado em Manaus, na quinta-feira, 24 de julho. No evento, representantes de empresas, organizações não governamentais e comunidades da Amazônia levaram ao auditório da Federação das Indústrias do Amazonas boas intenções, idéias e o receio de ver a bandeira da sustentabilidade usada por empresas mais preocupadas com estratégias de marketing do que em mudar práticas nocivas ao meio ambiente.
A idéia de um canal de diálogo entre os agentes envolvidos nas questões amazônicas surgiu no movimento "Nossa São Paulo, uma cidade sustentável”, de acordo como representante do Instituto Ethos no Fórum, Caio Magri. “São Paulo pode dar o exemplo a outras capitais”, afirma Magri. O Fórum começou a ser articulado em abril do ano passado, em um encontro em Alter do Chão (PA). O lançamento ocorreu alguns meses depois, no dia 8 de novembro, em Belém (PA) e teve a participação da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Em Abril, foi lançado em São Paulo. Antes do evento no Amazonas, o fórum havia recebido 85 adesões, das mais diversas instituições.
Organizações acostumadas a estarem em campos opostos quando o assunto é meio ambiente participam das discussões, como o Fórum das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e o Instituto Socioambiental (ISA) e grandes empresas como o Grupo Maggi, a Vale do Rio Doce e a Petrobrás. “É assim que funciona um fórum, antes não havia espaço para eles se comunicarem”, acredita o pesquisador sênior do Imazon, Adalberto Veríssimo, durante o encontro em Manaus.
O banco dos peixinhos
O diálogo não é tão fácil, quando os diferentes interesses são colocados à mesa. Em um discurso firme, em contraste com as declarações de boa convivência ouvidas durante o evento, o líder da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Saterê-Maué, deixou claro o que comunidades tradicionais e ambientalistas esperam evitar no fórum. “Dia destes, eu vi uma propaganda de um banco em que aparecem uns peixinhos pulando, dizendo que era o banco do planeta. Aí fui pesquisar, e não vi nada de sustentável no que eles fazem”, afirmou Jecinaldo.
A pedra atirada contra o banco tinha outros dois alvos, o Grupo Maggi e a Vale do Rio Doce, duas grandes empresas signatárias do Fórum, mas que ainda não resolveram as diferenças com os índios da Amazônia. “Querem que a gente colabore, a gente ajuda, até assina o documento. Mas 23 por cento da Amazônia é de terras indígenas e nós já cuidados da floresta, sem precisar de acordo nenhum”, declarou o saterê-maué. A Coiab não aderiu ao Fórum. “Queremos ver ações, vamos esperar primeiro o que as empresas vão fazer, depois a gente assina”, disse Jecinaldo.
O Greenpeace acompanha o fórum, mas também não aderiu. “Achamos boa a iniciativa, a carta de compromisso é muito bonita, mas ainda não definimos se vamos aderir ou ficar de fora”, afirmou o diretor da campanha Amazônia da ONG, Paulo Adário. De acordo com ele, esta reticência vem de experiências anteriores em que a marca do Greenpeace foi usada com prova de sustentabilidade em iniciativas de personagens pouco preocupados com o meio ambiente. “Uma vez compramos papel de uma empresa do grupo Aracruz e eles estamparam que eram fornecedores do Greenpeace”, lembrou.
Na composição encontrada no site do fórum na Internet existem quatro grupos de trabalho, para tratar dos seguintes temas: “Mobilização da sociedade para o desenvolvimento da cultura da sustentabilidade e o controle social do mercado e das políticas públicas; Fortalecimento do mercado de produtos e serviços sustentáveis; Construção de compromissos de boas práticas produtivas; e Valorização do conhecimento tradicional e reconhecimento e garantia dos direitos de povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais”. Um dos primeiros resultados esperados das discussões é uma proposta de critérios e princípios a serem seguidos pelo sistema financeiro e entidades de fomento para operações de crédito na região.
Expectativas
Há também as expectativas otimistas. O presidente do GTA, Rubem Gomes, conseguiu levar para dentro do Fórum as discussões sobre o Manejo Comunitário na Amazônia, o que segundo ele seria uma forma de proteger a floresta e ao mesmo tempo melhorar a vida de quem vive no interior. “Uma forma de você proteger é fazer um bom uso da floresta”, destacou Gomes. Paulo Ariel, gerente de Comunicação da fábrica de celulares Nokia, instalada em Manaus, acompanhou o lançamento ainda sem a decisão da empresa sobre aderir ou não. “Fóruns são importantes para trocar idéias, compartilhando. No mundo, onde você busca a sustentabilidade é impossível agir sozinho”, afirmou.
Mas entre a preocupação ambiental e o abrigo sob a bandeira da proteção da natureza em defesa de outros interesses existe uma distância muito curta. O discurso em favor dos incentivos dados a empresas instaladas no Pólo Industrial já se coloca sob a bandeira da defesa do meio ambiente. “Noventa e oito por cento das florestas do Amazonas estão preservadas, graças ao modelo adotado aqui, que oferece alternativas à destruição da floresta”, discursou o presidente do Centro das Indústrias do Amazonas (Cieam), Maurício Loureiro.
Um argumento que parece bom, mas deixa de fora outros fatores que contribuem para a preservação da floresta no maior estado do país, como a falta de acesso por estrada a maior parte do Amazonas e o processo de devastação que já ocorre Sul do Estado, semelhante ao que ocorre em Rondônia, Mato Grosso e Pará. A Suframa desenvolve um estudo sobre este impacto do Pólo Industrial de Manaus para a preservação da floresta. Quando o estudo ficar pronto, argumentos a favor e contra a tese poderão ser melhor avaliados.
Mas em meio à defesa de interesses das indústrias do Amazonas, uma boa idéia foi lançada pelo próprio Loureiro, de usar a verba arrecadada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), cerca de R$ 300 milhões por ano, em atividades sustentáveis. Hoje, o dinheiro vai para o caixa da União, onde geralmente fica como contingente para pagamento de juros das dívidas do governo.
Encontro em São Paulo
Um dos próximos passos é levar as discussões sobre a Amazônia para um encontro em São Paulo, nos dias 13 e 14 de outubro. Caio Magri, do Instituto Ethos, conta que vão ser cinco mesas de discussão. A primeira vai tratar sobre como a vida em São Paulo depende da Amazônia. O tema vai ser o projeto Rios Voadores, que busca demonstrar que as chuvas que ocorrem no Sul e Sudeste do Brasil se devem, em grande parte, a existência da floresta na Amazônia.
A segunda mesa vai apresentar um estudo inédito sobre quem lucra com o desmatamento da Amazônia, mostrando a relação entre as cadeias produtivas que destroem a floresta e o consumo em São Paulo. Na terceira mesa, vão ser apresentadas soluções e propostas para mudar esta relação entre o consumo paulista e a destruição da floresta amazônica. Há também uma mesa para se tentar um pacto para que o consumidor de São Paulo adquira produtos da Amazônia, como soja, carne, madeira e minérios, sobre determinadas condições. E última mesa vai ser um espaço para um pacto entre os dois candidatos que chegarem ao segundo turno da eleição paulistana adotem uma agenda de compras públicas sustentáveis.
(Por Vandré Fonseca*, OEco, 01/08/2008)
* Repórter em Manaus.