Do mesmo modo que os países se organizaram para evitar o holocausto nuclear durante a Guerra Fria, o medo de uma catástrofe climática deve mover os governos de hoje a buscar saídas para o aquecimento global.
A afirmação é do sociólogo Eduardo Viola, da Universidade de Brasília (UnB), que coordenou uma mesa-redonda formada por outros seis especialistas para debater os esforços internacionais em torno das questões climáticas. A discussão fez parte do 6º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, realizado na semana passada na Universidade Estadual de Campinas.
A antropóloga Myanna Lahsen, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontou um paradoxo perigoso na questão das mudanças climáticas. Segundo ela, os países em desenvolvimento, que seriam os mais vulneráveis às mudanças climáticas, são os que menos contam com recursos e conhecimento científico para as ações de adaptação necessárias.
Além da falta de incentivos financeiros para os países menos desenvolvidos, a pesquisadora aponta o problema do foco estreito com que os debates internacionais têm tratado a questão. “Falam como se o problema fosse limitado a uma só área”, criticou.
Carlos Nobre, também do Inpe, ilustrou o problema da diferença entre as ações de países ricos e periféricos na adaptação às mudanças. “Só na baía de São Francisco os Estados Unidos investiram mais de US$ 100 milhões em estudos de adaptação. Os países periféricos não devem ter gasto metade [para esse fim]”, disse o pesquisador, que integra o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Segundo Nobre, os acordos internacionais almejados pelas nações mais ricas envolvem apenas a mitigação das emissões de gases estufa. “Quando o assunto é adaptação, a coisa muda de figura. E uma cooperação que vise somente a mitigação e deixe de fora a adaptação é muito incompleta”, afirmou.
A adaptação envolve gastos com planejamento e infra-estrutura para preparar o país para as alterações no clima. “No Rio de Janeiro, por exemplo, um aumento do nível do mar pode significar a realocação de 500 mil pessoas. E isso não tem sido pensado por países como o Brasil”, disse Nobre.
Como uma das soluções, Emílio La Rovere, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aponta a criação de mecanismos para fazer fluir incentivos econômicos dos países do hemisfério Norte para os do Sul. “Não adianta falar, por exemplo, que o transporte público de massa trará benefício local e que, por isso, deve receber investimentos locais. Se não tivermos dinheiro isso simplesmente não será feito”, disse.
La Rovere também destaca a necessidade de repensar o protocolo de Kyoto, no sentido de conter também as emissões de países como Índia e China, que crescem a níveis preocupantes.
Importância de Kyoto
Jacques Marcovitch, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e ex-reitor da Universidade de São Paulo, comparou as atuais conferências internacionais sobre mudanças climáticas ao problema dos gases CFC na década de 1980, que foram banidos do setor industrial por destruírem a camada de ozônio.
Segundo ele, nos dois casos, céticos tentaram tirar a credibilidade do sistema adotado e apresentar o problema como um mito. “Em 2012, quando o prazo do protocolo chegar ao fim, poderemos medir realmente as mudanças”, apontou.
No entanto, entre os participantes da mesa-redonda houve divergência quanto ao protocolo de Kyoto atingir o mesmo sucesso do caso dos CFCs. “Foi um episódio bem diferente. Na época, já havia um produto para substituir os CFCs e pronto para ir para a prateleira. A solução agora é bem mais complicada”, disse José Eli da Veiga, também professor da FEA-USP.
Para ele, a luta contra as emissões só é comparável ao fim da escravidão, que causou um forte impacto na economia mundial. Também quanto à eficácia, apontou que o protocolo de Kyoto tem mostrado que pode ficar bem atrás dos resultados dos acordos pela camada de ozônio. “De 2006 a 2007, as emissões de gases estufa, que deveriam diminuir, cresceram 3%”, completou Viola, da UnB.
O cientista político Sérgio Abranches, do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criticou a estrutura montada para as conferências do clima. “A forma adotada de assembléia geral exige unanimidade nas decisões, pois cada voto tem poder de veto. Com isso, é impossível costurar grandes acordos”, disse. Segundo ele, a participação mundial na questão do clima é fundamental.
Sem isso, fenômenos como a migração de indústrias sujas para países com legislação mais branda tornam qualquer acordo climático inócuo. Pois, como lembrou Carlos Nobre, “o lugar onde os gases estufa são emitidos não será necessariamente o mesmo que sofrerá os seus efeitos”.
(Por Fábio Reynol, Agência Fapesp, 04/08/2008)