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seringais michelin
2008-08-01

Como faz todas as manhãs, na primeira hora do dia, Wedinton despertou e levantou em meio ao mormaço tropical brasileiro. O termômetro já indica uma temperatura de quase 30 °C. Seguindo a sua rotina cotidiana, ele se prepara para percorrer vários quilômetros, segurando firmemente a sua "faca de sangria" (uma espécie de foice). Wedinton é um dos "sangradores", encarregados de colher o látex, de uma das duas plantações que o fabricante francês de pneus Michelin mantém no Brasil, situada em Igrapiúna, a cerca de 200 km de Salvador da Bahia. Durante sete horas, ele vai entalhar por meio de uma técnica precisa a casca de 900 seringueiras, de onde escorre o látex (a matéria-prima da borracha), recolhido num pequeno recipiente preto dependurado no tronco.

O Brasil poderia ser o maior produtor de borracha do mundo. Ora, ele importa 70% das suas necessidades. O principal responsável por isso é um champignon originário da Amazônia, o Microcyclus ulei, que mata as seringueiras. Uma verdadeira praga, ele provoca a desfolhação, e então, de maneira inexorável, a morte da "árvore que chora". Os índios da América do Sul haviam dado este nome a esta árvore da qual é extraído o látex, um líquido branco que, uma vez beneficiado, dá a borracha. Trata-se de uma matéria-prima indispensável para a fabricação de determinados produtos, não só os pneus como também as luvas utilizadas em cirurgia, e os preservativos.

Com as suas vastas plantações de seringueiras aniquiladas pelo microcyclus, o Brasil, apesar de ser o berço desta árvore, foi praticamente riscado do mapa mundial desta cultura. Hoje, a sua participação na produção global não passa de 2%. Com 95%, a Ásia detém praticamente o monopólio, enquanto a África produz o restante.

Há mais de quinze anos, os pesquisadores da Michelin, em parceria com os seus colegas do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisas para o Desenvolvimento (Cirad) vêm tentando desvendar o mistério do Microcyclus ulei. Em Igrapiúna, a plantação baiana do grupo francês não foi poupada pela praga, diferentemente daquela situada no Mato Grosso, uma região de clima mais seco. Isso porque este champignon, comumente batizado de "a ferrugem sul-americana", aprecia a umidade.

Desafiando todas as previsões, as plantações da Ásia não foram atingidas por esta epidemia. É uma sorte grande porque neste continente, 30 milhões de habitantes vivem desta cultura. Acima de tudo, a maior parte da sua produção, numa proporção de 85%, é garantida por pequenas unidades mantidas por famílias. Mas, cedo ou tarde, as doenças sempre acabam atravessando os oceanos, as montanhas e os desertos. "Portanto, é apenas uma questão de tempo", afirma Gérard Bockiau, o diretor da plantação de Igrapiúna. Já, na opinião de Carlos Mattos, o responsável da pesquisa e do desenvolvimento das plantações da Michelin na Bahia, "a questão não é mais descobrir se a praga atingirá a Ásia, mas sim, antes, quando ela se manifestará nesta região do mundo". Já se passaram quinze anos desde que este engenheiro agrônomo de 49 anos, um funcionário da Michelin, começou a trabalhar num programa de desenvolvimento dos genes que resistem ao parasita.

Anualmente, a Michelin investe 643.000 euros (cerca de R$ 1,57 milhão) com o objetivo de encontrar a parada contra este champignon. Esta meta não é nem um pouco desinteressada. É verdade, o número um mundial da fabricação de pneus pretende diversificar suas fontes de abastecimento e controlar a qualidade do látex que ele compra, mas ele também trabalha nisso em função de planos para o futuro. Se o champignon se desenvolver na Ásia, a Michelin poderia recuperar royalties oferecendo seus conhecimentos.

"Por muito tempo, nós acreditamos que seria possível apostar no desenvolvimento de uma planta totalmente resistente ao champignon. Mas estávamos equivocados", explica Gérard Bockiau. Os pesquisadores percorriam então a floresta amazônica, traziam de volta seringueiras saudáveis, e então efetuavam enxertos em mudas jovens. Sem sucesso. O champignon acabava operando uma mutação e contaminava a seringueira enxertada. "Atualmente, nós estamos trabalhando numa planta capaz de coabitar com o Microcyclus ulei, sem que este represente um perigo para a sua integridade e a sua produção", explica. Aos poucos, os pesquisadores conseguiram decodificar o genoma da seringueira. Paralelamente, eles desenvolveram uma árvore que, apesar de infectada, ainda assim produz látex.

Desde 1993, 650 mil polinizações foram realizadas com o objetivo de obter variedades tão resistentes quanto possível (320 clones estão em fase de experimento). "O simples fato de criar um clone não é suficiente, pois o objetivo é também de fazer com que ele produza muito látex", sublinha Gérard Bockiau. Trata-se de extrair 6 kg por árvore e por ano. Mais de 300 variedades novas foram estudadas e objetos de experiências em pequena escala. Destas, treze foram então selecionadas, e três, muito resistentes, foram selecionadas para serem replantadas, em grande escala. Resta saber de que maneira essas novas seringueiras irão se comportar, no longo prazo e em grandes plantações a céu aberto.

As árvores clonadas apresentam outra vantagem. Elas passam a produzir látex a partir de seis anos, ao passo que uma seringueira "normal" só pode ser "sangrada" depois de dez anos.

Em várias ocasiões, a Michelin, proprietária desta plantação que ela comprou em 1984 da Bridgestone, por pouco não acabou desistindo de vez do projeto. E por pouco não a vendeu. "Ela havia sofrido estragos muito importantes por causa do champignon. Em meados dos anos 1990, a cotação da borracha desmoronou e esta plantação acabou perdendo toda a sua rentabilidade", conta Gerard Bockiau. De um total de 9.000 hectares, 1.500 haviam sido inteiramente destruídos.

Finalmente, em 2004, no quadro de um projeto batizado de "Ouro verde", a Michelin decide vender 5.000 hectares - divididos em parcelas de 400 hectares - para doze dos seus assalariados, escolhidos a dedo: em sua maioria, eram engenheiros agrônomos que já apresentavam uma folha-corrida de dez a 25 anos de casa. A fabricante de pneus se comprometeu a comprar sua produção de látex. "A Michelin elaborou planos de desenvolvimento junto com cada um dos futuros proprietários. Ela lhes fornecia uma garantia moral. Os bancos se interessaram pelos negócios", se recorda Paolo Roberto, ao mesmo tempo um dos proprietários e o diretor dos recursos humanos da plantação.

Cada parcela foi vendida pela quantia de US$ 400 mil (hoje, R$ 625.320), que puderam ser reembolsados em oito anos. Cada um dos proprietários, que são reunidos numa cooperativa, fornece emprego a cerca de quarenta empregados, os quais recebem, em média, um salário de R$ 600. Estes novos proprietários deverão alcançar uma meta de produção, até 2015, de cerca de 5.000 toneladas de borracha, e ainda, mais de 4.000 toneladas de cacau. A Michelin manteve em separado 1.000 hectares, dedicados às pesquisas. Os 3.000 restantes são constituídos por mata atlântica, e são dedicados a um projeto de corredor ecológico.

Um ano mais tarde, um programa de apoio à agricultura familiar passou a ser implementado junto a cinqüenta pequenos proprietários de terras. Atualmente, 1.500 são beneficiados por este plano. A meta é que o seu número passe para 4.000 até 2015.

Com isso, Edimilson, 40 anos, herdou 4 hectares de terra dos seus pais. Entre 1988 e 1992, ele trabalhava como "sangrador" na Michelin. Um banco federal emprestou-lhe o dinheiro necessário para comprar 250 mudas, a uma taxa de juros de 2%. A Michelin lhe vendeu essas mudas por R$ 1,00 a unidade, enquanto o seu valor no mercado era de R$ 3,00. Edimilson ainda obteve uma carência de oito anos. A Michelin lhe compra sua produção de látex, enquanto o cacau que ele produz é vendido para diversas companhias da região. Os R$ 380 que ele ganha por mês não são suficientes para que ele consiga manter sua mulher e seus cinco filhos, dos quais o primogênito tem apenas 14 anos. "Eu não tenho condições para alimentar corretamente minha família. Eu sou obrigado a trabalhar também para um outro agricultor", lamenta.

Por ocasião de um encontro, em 2002, com o presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, Edouard Michelin, que dirigia então o grupo francês, havia se comprometido a ajudar esta região do Brasil, uma das mais pobres do mundo. Atualmente, já são mais de 8.000 pessoas que nela esperam pelo retorno do "ouro verde".

(Le Monde, 01/08/2008)


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