Enfim, depois de muita luta dos pescadores do Brasil, foi criado o Ministério da Pesca. Ao contrário de comemorar ingenuamente a vitória e se acomodar, precisamos nos preparar para uma luta muito maior que agora se inicia: garantir que este ministério esteja voltado para os interesses dos trabalhadores pescadores e pescadoras artesanais e para um projeto nacional que interesse ao povo brasileiro e não seja uma estrutura governamental submetida aos interesses dos ricos e do hidronegócio. Devemos estar atentos acerca do espaço a ser ocupado pela pesca artesanal neste novo ministério.
Existe uma grande euforia do setor empresarial. Eles acreditam que controlam o Ministério e que ele será um aliado poderoso para os planos de Privatização do Mar e dos Rios para implantar grandes fazendas de cultivo concentrando renda e território nas mãos de poucos. Eles são os mesmos que desenvolveram cultivos de Salmão no Chile levando grande prejuízo para os pescadores daquele país. Empresários da carcinicultura também têm interesse em migrar para fazendas marinhas, pois a atividade está em crise sanitária causada por várias doenças e estão enfrentando a resistência dos trabalhadores dos manguezais.
Estamos com grande preocupação devido a algumas ações realizadas pela Secretaria da Pesca que sinalizam alianças com a elite empresarial da aqüicultura e seus interesses em privatizar o Mar e os Rios brasileiros para implantar grandes fazendas. Na calada da noite, durante o carnaval deste ano, enquanto muitos pescadores e pescadoras estavam desavisados tentou-se privatizar 160 hectares do Mar a poucos quilômetros da praia de Boa Viagem no Estado de Pernambuco numa área importante para a pesca artesanal. Este fato marcou a primeira fatia do mar a ser privatizada no litoral brasileiro feita de forma covarde e inconseqüente, ignorando a legislação brasileira e os tratados internacionais assinados pelo Brasil como a resolução 169 da OIT que trata de direitos das populações tradicionais. Outras privatizações estão sendo planejadas para o litoral de São Paulo e Bahia e também em Açudes e Barragens como é o caso do Castanhão no Ceará. É para isso que eles querem um Ministério? É para isso que eles querem que certas competências que hoje estão em outros órgãos que resistem à privatização de espaços das populações tradicionais sejam repassadas para este novo ministério?
Não aceitamos o discurso de inviabilidade da pesca artesanal como argumento para legitimar um investimento maciço em aqüicultura de grande escala. De fato existe uma diminuição nos estoques pesqueiros nas áreas utilizadas pelos pescadores artesanais. Contudo, a pergunta que não quer calar é: porque estes estoques estão diminuindo? Identificamos como causas desta diminuição de pescado um modelo de desenvolvimento insustentável, que despreza a cultura das populações tradicionais, concentra renda e território, é marcado pelo racismo ambiental e desrespeita a legislação. Acrescenta-se a isso, a insuficiência das políticas públicas, ordenamento participativo e investimentos adequados voltados para a pesca artesanal e para as comunidades tradicionais. Em lugar de enfrentar as causas dos problemas e fortalecer a pesca artesanal vemos o discurso falacioso de uma elite desenvolvimentista e seus aliados justificando a privatização das águas do Mar e dos Rios e contando com a subserviência da Secretaria de Pesca.
Reafirmamos a importância estratégica da pesca artesanal do Brasil para a inclusão social, para a segurança alimentar, para o desenvolvimento sustentável, para a preservação da biodiversidade e preservação da identidade e da cultura das populações tradicionais. Exigimos garantia do território que historicamente ocupamos e ações efetivas de estado voltadas para os povos das águas.
(Pastoral dos Pescadores *, Adital, 31/07/2008)
* CNBB - Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz