A Funai (Fundação Nacional do Índio) inicia em agosto os estudos para a demarcação de novas terras indígenas em Mato Grosso do Sul. O trabalho, que envolve perícias antropológicas em 26 municípios da região sul do Estado, vem causando controvérsia.
Políticos de várias matizes e empresários dos setores agropecuário e sucroalcooleiro se mobilizam contra o que consideram ser a criação de uma "nação guarani" --os guaranis e caiuás são os principais interessados no processo.
Resultado de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado em novembro do ano passado pela Funai perante o Ministério Público Federal, o processo de demarcação foi deflagrado em 10 de julho deste ano, com a publicação de seis portarias que criaram os grupos de trabalho encarregados dos estudos. As primeiras equipes de antropólogos começaram a chegar ao Estado anteontem.
O termo de ajustamento dá um prazo de oito meses, a partir do início do levantamento, para a conclusão do relatório antropológico. Até junho de 2009, a Funai deverá apresentar resumos dos relatórios de identificação e delimitação das novas terras, sob pena de multa diária de R$ 1.000.
Roraima
Amanhã, prefeitos dos municípios que serão alvo dos estudos se reúnem com representantes da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) para discutir "ações coletivas" contra a medida.
O clima de descontentamento é descrito pelos ruralistas como semelhante ao que antecedeu os conflitos registrados em Roraima, por conta da demarcação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol.
"Estamos vendo crescer o embrião de uma situação como aquela em Roraima. E isso nos preocupa muito. Se este absurdo continuar, se as escrituras perderem o valor, com certeza os ânimos irão se acirrar e vai haver e resistência", diz Dácio Queiroz, diretor-secretário da Famasul e presidente da comissão de assuntos indígenas e fundiários da entidade.
Para Rogério Rocha, do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), a oposição, neste momento, é "equivocada". "O que a Funai iniciou foram os estudos de identificação. Não existe demarcação prevista nem área pré-definida, até mesmo porque os estudos é que trarão essas informações", disse Rocha, que qualifica como "inadiável" a redefinição fundiária das áreas guarani e caiuá. "Hoje a proporção é de 0,3 hectare por índio."
Para o índio Anastácio Peralta, integrante da comissão de direitos guarani-caiuá, é um erro mencionar a "possibilidade" de conflito fundiário. "Esse conflito já existe, por parte dos fazendeiros. Basta ver quantas de nossas lideranças foram mortas nos últimos anos, por conta de conflitos de terra. O que estamos buscando, agora, é a solução do conflito, com base em nossos direitos."
Durante todo o dia de ontem, a reportagem tentou, sem sucesso, ouvir a Funai.
(Por Rodrigo Vargas, Agência Folha, Folha Online, 31/07/2008)