(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
política do agronegócio monocultura
2008-07-31
O barco argentino acaba de entrar, sem timoneiro, em um mar agitado e cheio de arrecifes. Formou-se um bloco entre o capital financeiro internacional e nacional, os grandes exportadores de grãos, a velha oligarquia latifundiária, as grandes indústrias estrangeiras e a maioria das classes médias urbanas e rurais. Este bloco acaba de vencer o governo e rejeita as tentativas de aplicar uma política social redistributiva.

O plantio de ventos
Vale a pena repassar a crônica dos acontecimentos. No ano passado, o então presidente argentino Néstor Kirchner acreditou fazer uma hábil manobra e "reforçar" seu problemático partido peronista cooptando dirigentes da União Cívica Radical e do Partido Socialista, que serviram para reforçar a maioria eleitoral que elegeu sua esposa como presidenta e para controlar algumas províncias. Como tinha certeza de que teria maioria em ambas as Câmaras do Congresso, ao qual não atribuía nenhum papel –a concessão e distribuição de verbas públicas tinha sido delegada ao Executivo, que governava emitindo decretos–, Kirchner nem pensou que o Congresso poderia ser obrigado a dirimir uma questão política importante.

Já no governo, sua esposa, Cristina Fernández Kirchner, tentou controlar seu partido e deixou abandonados à própria sorte esses "transversais" socialistas ou radicais expulsos, como o vice-presidente Cobos. Mas para disputar com ela o Partido Justicialista, todas as direitas peronistas coligaram-se. A coisa não era muito grave, apesar de o ex-presidente Duhalde apoiar-se em um tecido mafioso (polícia, droga, clientelismo político) na província de Buenos Aires, o governador de San Luis ter uma forte base clientelística, assim como o de Córdoba, e os ex-governadores menemistas manterem seus aparatos policiais.

O antiperonismo visceral de radicais, socialistas K e conservadores de todo tipo que integravam a oposição impedia a união entre ambos os setores, e Kirchner acreditou poder contrabalançar o grosso da direita do seu partido com outra parte dessa direita, ou seja, com dirigentes sindicais burocratas e corruptos da Confederação Geral do Trabalho, cooptando uma parte dos líderes da Central de Trabalhadores Argentinos e dos grupos de piqueteiros. Enquanto isso, para aumentar as exportações fomentou o cultivo de soja, que quadruplicou durante seu mandato, e deu todo tipo de apoios e facilidades aos grandes exportadores de grãos e ao capital financeiro. Tentou, também, manter o dólar alto, para favorecer as exportações argentinas e, com fundos estatais, subsidiou transportes, combustíveis, serviços públicos e até grandes supermercados para manter os preços baixos.

Sua política econômica buscava utilizar o dinheiro proveniente das exportações e dos impostos para subsidiar e desenvolver a indústria e impedir o aumento dos salários reais, com a finalidade de aumentar os lucros dos industriais, confiando em que as taxas chinesas de crescimento econômico permitiriam continuar reduzindo o desemprego (próximo a 10%) e ampliar o mercado interno.

Mas sua esposa assumiu o poder quando começava o período das vacas magras — queda do dólar em escala mundial, grave situação econômica nos Estados Unidos, enorme aumento do preço dos combustíveis e, portanto, de fertilizantes e inseticidas, inflação importada—, que tornou cada vez mais difícil manter essa política. Para obter mais recursos, Cristina Fernández pensou em um imposto sobre os rendimentos extraordinários dos exportadores de soja, o qual, como bônus, deveria reduzir a tendência a abandonar os cultivos de alimentos e a pecuária, com o conseguinte aumento dos preços para o consumo. A medida era necessária e justa, uma vez que o Estado tem direito e obrigação de impedir que os preços do mercado internacional determinem os preços internos para o consumo e de evitar que se estenda o monocultivo de uma forragem que em seu avanço destrói o solo e elimina alimentos, vacas, camponeses, povoados, bosques.

Mas a resolução foi adotada com falta de habilidade, ignorância e prepotência, sem consultas prévias e sem prever conseqüências. Além disso, segundo a Constituição, é o Parlamento que deve determinar os impostos, e não o Poder Executivo.

Os furacões
A imposição do mesmo imposto a grandes e pequenos produtores, àqueles que produzem em boas terras e próximos aos portos, com altos rendimentos, e aqueles que plantam em terras marginais, uniu, por trás dos especuladores do grande capital e dos grandes latifundiários e exportadores, pequenos produtores, locatários e rentistas, que se transformaram em massa de manobra política dos primeiros. Aos pequenos e grandes capitalistas rurais somaram-se imediatamente as classes médias dos povoados e a elas somaram-se ainda a oposição visceralmente racista e antiperonista que grita contra o governo "dos negros e dos vagabundos" e a direita peronista. O kirchnerismo conseguiu, assim, unificar o anti-solidarismo e o conservadorismo com a reação e o racismo. Somando a soberba à inabilidade, o governo esperou mais de 90 dias de fechamento de estradas e desabastecimento nas cidades para inventar uma motivação para esta justa retenção do lucro extraordinário dos plantadores de soja e deixou passar cem dias antes de deixar a aprovação de seu projeto com o Parlamento, como correspondia desde o primeiro dia.

Nas Câmaras, também pagou o preço de seu autoritarismo, dado que, por não terem sido ouvidos, consultados nem convencidos, deputados e senadores peronistas votaram junto com a oposição e pelos grandes grupos cerealistas. Para cúmulo, os radicais e socialistas K, e entre eles o vice-presidente Cobos, quando sugeriram modificar a medida para separar os pequenos produtores de monopolistas e desmontar o protesto, foram vaiados e marginalizados. Na discussão parlamentar, naturalmente, afastaram-se do governo e o voto do vice-presidente e presidente do Senado, Julio Cobos, foi decisivo para enterrar não só o imposto, mas também toda a política do governo. Agora, a direita está unida, na ofensiva e encontrou o candidato a presidente que precisava, nada menos que no vice de Cristina Fernández. O partido transversal também passou desta para melhor e Kirchner deverá defender sua maioria no partido peronista.

O governo está desprestigiado e perdeu sua maioria absoluta em ambas as Câmaras; e o Parlamento começou a funcionar e vai exigir-lhe que explique por que não tomou medidas contra os grandes exportadores que fraudaram mais de 1,2 bilhões de dólares ao fisco e roubaram de locatários. A economia sofreu um grande golpe e os subsídios não poderão ser tão volumosos como até agora. O barco argentino acaba de entrar, sem timoneiro, em um mar agitado e cheio de arrecifes.

O que há de ontem para hoje
A Argentina é um país cuja concentração urbana foi muito precoce, sendo notável já no fim do século XIX. Isto deu origem a um forte e numeroso movimento operário industrial e a uma vasta classe média nas principais cidades, quando a burguesia ainda era muito fraca e o eixo das classes dominantes estava constituído pelo capital estrangeiro e pelos latifundiários que controlavam o Estado.

As classes médias urbanas, descendentes de imigrantes, exigiram seu lugar no país, disputando com a oligarquia. Isso teve como resultado o voto universal em 1912, a Reforma Universitária em 1918 e o apoio urbano a Hipólito Yrigoyen. O movimento operário, em compensação —classista, anarquista e socialista— seguiu um caminho independente e o governo das classes médias urbanas e rurais, yrigoyenista, cometeu as matanças de peões na Patagônia e assassinou 3000 operários na Capital durante a Semana Trágica. Esse foi o primeiro choque entre operários e um governo “progressista” e entre aqueles e as classes médias.

Em 1930, o golpe da direita oligárquica e da direita anti-yrigoyenista da União Cívica Radical foi apoiado pelas classes médias urbanas e pelo partido de esquerda majoritário, o socialista, e o resultado foi a Década Infame, o governo pró-imperialista da oligarquia e da fraude, que as grandes greves operárias de 1935-36 comoveram, preparando o caminho, em 1945, para o triunfo de Juan Domingo Perón, com o apoio dos sindicatos e dos operários industriais e rurais, mas contra a aliança entre o imperialismo norte-americano, os conservadores, a UCR, os comunistas e os socialistas, com o apoio das classes médias urbanas. Em 1955, a oligarquia, com o apoio destas últimas, do exército e da Igreja, que fazem parte das mesmas, derrotou Perón, que fugiu sem combater.

Mas, em 1957, o presidente Arturo Frondizi, que havia chegado ao poder graças à ditadura (e com o apoio do próprio Perón) quis abrir o caminho para a privatização do petróleo e conceder a educação pública à Igreja: os estudantes, então, uniram-se aos operários na oposição às duas medidas e começou um processo de aproximação entre aqueles, majoritariamente peronistas, que resistiam à margem das ordens de Perón, exilado na Espanha franquista, e a juventude das classes médias urbanas. Essa aproximação tornou-se aliança nos anos setenta, quando muitos filhos de antiperonistas furibundos, radicalizados pela revolução cubana, maio de 68 e o Vietnã, acreditando que se aproximavam da classe operária tornaram-se peronistas para combater melhor a ditadura militar pró-oligárquica, que precisou trazer Perón para frear o processo de lutas operárias radicais e de guerrilhas, até que preparou o golpe militar.

A ditadura de 1976 encontrou as classes médias divididas entre o setor que, unido aos operários, resistiu e foi massacrado às dezenas de milhares, e o numeroso setor conservador, anti-operário e racista que tolerou a ditadura até que ela caiu sozinha após a aventura inglória nas Malvinas. Depois da ditadura, o peronismo apresentou uma fórmula presidencial de direita incapaz de entusiasmar os operários, e as classes médias arrastaram setores operários e populares atrás do candidato da União Cívica Radical, o neoliberal Raúl Alfonsín. Ele aliou-se à direita peronista e cedeu a presidência para Carlos Menem, o grande privatizador, ladrão e pró-imperialista, cuja política de direita contou com o apoio do aparato peronista e com as esperanças da maioria das classes médias e dos operários.

Mas, em dezembro do 2001, diante do congelamento dos depósitos bancários dos pequenos poupadores e do desmoronamento da credibilidade nos partidos tradicionais, uma parte importante das classes médias urbanas opôs-se à corrupção ao grito de “fora todos!” e deu seu apoio aos desempregados, com a consigna de “piquetes e panelas, a luta é uma só!”. O governo de Néstor Kirchner, após várias vicissitudes, foi o resultado desta nova aproximação entre os setores populares. Contudo, a rápida recuperação econômica e o alto preço das matérias-primas agrícolas transformaram os ex-colonos e locatários em rentistas que alugam suas terras para grupos financeiros que exploram a soja e, com seus lucros extraordinários, compram ou constroem casas nas cidades, transformando-se em especuladores imobiliários e financeiros. E as classes médias urbanas reforçaram seu afã por diferenciar-se “dos negros”, dos operários, desempregados e do subproletariado urbano que, segundo eles, são subsidiados pelo governo, esquecendo o “fora todos!” para pensar apenas no próprio bolso. Assim, formou-se um bloco entre o capital financeiro internacional e nacional, os grandes exportadores de grãos, a velha oligarquia latifundiária, as grandes indústrias estrangeiras e a maioria das classes médias urbanas e rurais.

Este bloco acaba de vencer o governo e rejeita as tentativas de aplicar uma política social redistributiva. Como em 1930, 1945, 1955, 1976, a direita tem agora uma base de massas. A falta de habilidade, o autoritarismo dos meios oficiais, sua incapacidade para fazer política, apesar de terem minado a credibilidade do governo não são a causa principal desta evolução, que reside nas mudanças econômicas e sociais internacionais. Agora, ou os Kirchner buscam um apoio social com medidas de fundo e tentam separar setores importantes da classe média do bloco reacionário no qual militam, ou a direita vai conseguir mais vantagens do seu triunfo nas ruas e no Parlamento, porque já declarou que não se conforma com “trocar a coleira do cachorro”, senão que exige “trocar o cachorro”. Ou seja, que não se dá por satisfeita com as mudanças no gabinete que já conseguiu impor, senão que exige a aceitação total de sua política

(Por Guillermo Almeyra, Agencia Carta Maior / SINPERMISO, 28/07/2008)
Guillermo Almeyra é membro do Conselho Editorial de SINPERMISO.
Tradução: Naila Freitas/Verso Tradutores

desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -