RESPONDA rápido: o desmatamento na Amazônia está subindo ou caindo? Depende.Para o sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), operado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a área desmatada caiu em junho. Coisa de 20,1% em relação ao mês anterior.
Em comparação com junho de 2007, então, a queda foi ainda mais acentuada: 37,7%. O ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, festejou, talvez prematuramente: "Nada aconteceu por acaso: o desmatamento caiu onde a gente foi em cima", afirmou.
A comemoração pode ser precipitada porque, para a respeitada ONG de pesquisa Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), de Belém do Pará, o desmate aumentou. Mais precisamente, 23%, diante de junho de 2007.
O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon registrou 612 km2 de desmatamento na Amazônia Legal. Para o Deter, do Inpe, foram 870 km2. Dá 258 km2, ou 30%, de diferença. Problema: Deter e SAD usam dados do mesmo sensor (Modis) do mesmo satélite (Terra).
Está certo que o Brasil é grande, com seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados. E está certo que essa divergência representa só 0,003% do território nacional. Mas não dá para aceitar uma discrepância dessa magnitude.
Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, ressalva que, apesar do desencontro, Inpe e Imazon registram uma única tendência: "Ambos os sistemas (...) apontam para aumento no desmatamento consolidado neste ano (entre agosto/07 e junho/08) em relação ao período anterior", comentou num comunicado; "o que muda é a proporção no aumento, 99% no caso do Deter e 9% no caso do SAD".
O esclarecimento vem a calhar, porém a dispersão dos valores -99% e 9%!- leva água para o moinho dos agrodesmatadores e seu líder maior, Blairo Maggi, governador de Mato Grosso. Desde dezembro, quando os satélites começaram a detectar a retomada do desmate, Maggi vinha apostando na confusão que agora chega às manchetes.
A Maggi interessava desacreditar os dados do Inpe. Alegava que o sistema Deter aponta desmatamento onde ele de fato não aconteceu. Verificações de campo feitas por seu pessoal teriam constatado, argumentava, que 90% dos dados do Inpe estariam errados.
O Inpe sentiu o calor. Enrolou-se com a divulgação das cifras referentes a maio. A ponto de levantar a suspeita de que -com ou sem a participação da Casa Civil- as informações estivessem sendo retidas porque eram negativas para o governo federal.
O Inpe agora faz uma "qualificação" dos dados impugnados por Maggi, ou seja, coteja-os com imagens mais detalhadas de outros satélites. Elas são empregadas no sistema tradicional de monitoramento do desmate (Prodes) mantido pelo instituto, que fornece as taxas oficiais anuais de desmatamento. O cotejamento revela que 92% dos alertas do Deter correspondiam, sim, a áreas desmatadas ou degradadas.
Como assim, "desmatadas ou degradadas"? Pois é. Aí está a origem de boa parte do qüiproquó.
O sistema Deter misturava (e agora passa a discriminar) o chamado corte raso, desmatamento de verdade, com áreas que passavam por um processo gradativo de degradação. O fato de essa mescla não ter sido especificada no passado pelo Inpe, nem percebida pelos jornalistas que cobrem a área, deu pano para a manga de Maggi. Seus homens iam lá e diziam que havia mata, sim, onde o Deter indicava que não.
Agora, quem quiser lançar dúvida sobre a qualidade dos dados pode recorrer aos 30% de divergência entre Inpe e Imazon.
(Por Marcelo Leite,
Folha de S. Paulo, 31/07/2008)