A transnacional Aracruz Celulose lucrou aproximadamente R$ 165 milhões durante os 40 anos de ocupação e exploração das terras indígenas. Mas somente com o eucalipto plantado em 6,8 mil hectares, dos 11.009 que a empresa está sendo agora obrigada a devolver aos índios capixabas, a empresa só terá que indenizar os índios com R$ 3 milhões.
No total, a empresa tomou dos índios e explora 40 mil hectares de terras. O próprio governo federal, através da Fundação Nacional dos Índios (Funai), reconhece como “terras de ocupação tradicional indígena, uma área total de 18.027 hectares, dos quais 14.227 hectares referem-se à Terra Indígena Tupiniquim e 3.800 hectares à Terra Indígena Comboios”.
Deste total, a Aracruz Celulose é obrigada agora a devolver aos índios 11.009 hectares, declaradas indígenas pelas portarias declaratórias nº. 1.463 e nº. 1.464, assinadas pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, no dia 27 de agosto de 2007.
Depois, a transnacional foi obrigada a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os índios, em dezembro último, com intermediação do Ministério Público Federal (MPF), Funai e o Ministério da Justiça.
A empresa informou em seu site, com data de 17 deste mês, que começou a retirada de madeira dessas terras indígenas. A retirada dos eucaliptos deverá ser concluída num prazo de até 120 dias, admite.
A transnacional diz que “tem direito à indenização pelas benfeitorias existentes na área, uma vez que ocupou as terras de boa fé”. A própria empresa diz ainda que “os estudos realizados pelos grupos de trabalho da Funai concluíram que as benfeitorias são florestas de eucaliptos plantadas pela Aracruz, ocupando 6,8 mil hectares. O valor estimado dessas florestas é de US$ 20,7 milhões”.
Feitas as contas, considerando que o eucalipto leva sete anos do plantio ao corte, a Aracruz Celulose fez pelo menos cinco cortes de plantios nesta área das terras indígenas nos 40 anos de ocupação. Ao dólar cotado nesta quarta-feira (30), R$ 1.567, a empresa lucrou cerca de R$ 165 milhões durante os 40 anos de ocupação e exploração das terras indígenas. Mas somente com o eucalipto plantado em 6,8 mil hectares dos 11.009 hectares que a transnacional ocupou.
À medida que a empresa vai tirando o eucalipto, os índios vão ocupando as terras que a Aracruz Celulose tomou e explorou. A empresa diz que com o TAC atingiu “um dos objetivos buscados pela empresa foi a segurança jurídica, de modo a evitar uma nova ampliação das áreas indígenas, criadas em 1983 e já ampliadas em 1998”.
Na fase de implantação da empresa, o processo de ocupação do território indígena foi comandando pelo major PM Orlando Cavalcante, que pertencia ao Sindicato do Crime. O major era temido por torturar, antes de matar suas vítimas, e sua atuação foi também contra posseiros que ocupavam parte das terras indígenas no município de Aracruz.
A empresa reage como pode às reivindicações, também justas, dos quilombolas. A empresa é a principal ocupante dos cerca de 50 mil hectares tomados dos quilombolas só no norte capixaba.
A Aracruz Celulose foi instalada há 40 anos (completados em novembro do ano passado). A empresa foi implantada a ferro e fogo e deixou marcas da destruição no Estado. Por pouco não aniquilou as culturas indígenas e quilombolas, mantidas a custas de grande resistência.
Contra os quilombolas no norte do Estado, a Aracruz Celulose usou os serviços do tenente Merçon, do Exército. Este tomava as terras dos descendentes dos negros tornados escravos à força ou pagando a preços vis. A Aracruz Celulose é a maior ocupante do território negro no Espírito Santo, de cerca de 50 mil hectares, como comprovam pesquisas científicas realizadas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Sua monocultura destruiu e destrói o solo e a água em todo Estado, além de pelo menos 50 mil hectares da mata atlântica original e toda sua biodiversidade. A empresa é um projeto do empresário norueguês Erling Sven Lorentzen, casado com a princesa Ragnhild, irmã do rei Harald V. Recentemente, Erling foi substituído na empresa por Haakon Lorentzen.
Lorentzen conseguiu seu intento no Brasil aliando-se às mais altas figuras da ditadura militar, como o general-presidente da República Ernesto Geisel. E com a ajuda dos representantes dos militares no Espírito Santo, os governadores biônicos (não eleitos pelo povo e nomeados pelo governo federal) Arthur Carlos Gerhardt Santos e Cristiano Dias Lopes. Foi Gerhardt que começou a preparar o terreno para o domínio da Aracruz Celulose, em abril de 1972.
Arthur Carlos, à frente do Banco de Desenvolvimento do Estado, atual Bandes, no governo Christiano Dias Lopes Filho (final dos anos 60), foi quem fez toda a trama para entregar grande parte do território capixaba à Aracruz Celulose. A preço praticamente simbólico, as terras públicas ou assim consideradas pelo governo arbitrário foram vendidas a 10 décimos de centavos o metro quadrado (a moeda, da época, era ainda o cruzeiro).
Mesmo antes das negociatas com o governo federal, a Aracruz Celulose já estava em campo. Com a proteção e os poderes conferidos pela ditadura militar tanto no plano federal como no estadual, a empresa ao longo de sua história sempre empregou a violência contra os índios, quilombolas e pequenos produtores rurais.
(Por Ubervalter Coimbra,
Século Diário, 30/07/2008)