A Vale e a Cemig foram obrigadas a indenizar os índios Krenak, de Minas Gerais, “por danos morais coletivos causados ao povo indígena” pela construção da Usina Hidrelétrica de Aimorés. As empresas, que formam o consórcio que construiu a usina, ainda não indenizaram pescadores e agricultores capixabas e mineiros, também prejudicados com a construção.
A indenização aos índios Krenak foi definida em acordo, firmando nesta terça-feira (29) entre o Ministério Público Federal (MPF) em Governador Valadares, a Vale e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). As empresas formaram o Consórcio da Usina Hidrelétrica de Aimorés (UHE-Aimorés) e foram denunciadas em Ação Civil Pública pelos danos morais causados aos índios.
O acordo entre o MPF e as empresas encerra a Ação Civil Pública. Segundo o MPF, a indenização a ser paga pela Vale e Cemig, pelo Consórcio UHE Aimorés, ultrapassa os R$ 11 milhões. Até o agora, as empresas só pagaram R$ 2.749.820,00, a título de valores de apoio mensal, construção de uma ponte, apoio emergencial e cestas básicas.
Ainda segundo o MPF, no acordo, a Vale e a Cemig, através do consórcio, se comprometem a pagar ainda R$ 9.182.342,03. Entre pagamentos a serem efetuados em dinheiro, à vista e parcelados, contam-se também valores que devem ser aplicados na implementação de projetos que garantam a autosustentabilidade das cem famílias Krenak atingidas pela construção da hidrelétrica, além de um projeto de preservação ambiental das 54 nascentes existentes na terra indígena.
A Ação Civil Pública foi ajuizada em abril de 2005. Nela, o MPF e a Fundação Nacional do Índio (Funai) alegaram que a Vale e a Cemig, ao celebrarem contrato de construção da Usina Hidrelétrica de Aimorés (UHE Aimorés), empreendimento destinado a realizar o aproveitamento do potencial hidrelétrico do médio Rio Doce, ignoraram por completo os direitos e interesses do povo indígena Krenak que habita a área de influência do empreendimento, na zona rural do município de Resplendor.
No Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), os réus não fizeram qualquer consulta à comunidade indígena, muito menos obtiveram seu consentimento. Na verdade, os índios sequer tinham conhecimento do empreendimento que ali seria implantado, informa o MPF.
E que “esse ato ilícito - porque contrário ao que obriga o próprio Estatuto do Índio, bem como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho recepcionada por nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-legislativo nº 143/2002 - causou dano de caráter moral aos Krenak, o que gerou o dever de indenizar por parte dos réus”.
Em maio do ano passado o processo foi suspenso a pedido das partes, para a tentativa de viabilização de acordo. Entre os projetos que serão realizados a partir do acordo, só “o projeto de pecuária leiteira envolve recursos da ordem de R$ 3 milhões. Cada uma das cem famílias irá receber seis vacas e dois latões de leite, além de estojos de vacinação. Serão adquiridos 15 touros, 15 muares, 15 carroças e 15 picadeiras com motor a diesel”.
O MPF informou mais: “Estão previstos ainda a construção de currais e cercas, o plantio de cana-de-açúcar e a recuperação de mais de 200 hectares de pastagens, além da aquisição de todo o material necessário ao resfriamento do leite (tanque, instalação elétrica, caminhão para transporte, entre outros). O projeto envolve também a prestação de assistência técnica pelo prazo de três anos, para que as famílias possam adquirir os conhecimentos necessários à sua efetivação”.
Para o MPF, o acordo trará a possibilidade de que os índios Krenak, em médio prazo, conquistem a autosustentabilidade socioeconômica. O acordo segue para homologação da Justiça.
Segundo o MPF, outras três ações referentes à construção da Usina Hidrelétrica de Aimorés continuam em andamento. Duas delas discutem o repasse de recursos ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), a título de compensação ambiental, para implantação do Parque Estadual de Sete Salões.
O MPF em Belo Horizonte ajuizou Ação Civil Pública em 2003, pleiteando a nulidade da estipulação realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em prol do IEF. O MPF defende que tais valores deveriam ser destinados ao povo Krenak, já que a previsão é que o parque seja implantado em terras pertencentes a eles.
No curso desta ação, enquanto a questão estava sendo discutida em juízo, o consórcio fez o repasse dos valores ao IEF e o MPF viu-se obrigado a ajuizar uma medida cautelar de protesto, por meio da qual requereu o seqüestro dos recursos. O juiz deferiu a liminar.
A outra ação civil pública, em trâmite na Justiça Federal em Valadares, questiona o ato de aprovação do EIA/Rima e das licenças ambientais prévia e de instalação da UHE Aimorés concedidas pelo Ibama. O MPF aponta várias irregularidades no processo e pede, além da anulação de vários atos, que os réus sejam condenados a indenizar os danos ambientais causados pela construção da obra.
Prejuízos aos capixabasA Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) manobrou para tirar do Espírito Santo a barragem e a casa de força da Usina Hidrelétrica de Aimorés. A empresa mineira recomendou, em estudos, que a construção da barragem fosse deslocada para 12 quilômetros acima do local ideal para sua construção, no Espírito Santo. A Vale foi conivente com este projeto todo o tempo.
Com isso, as empresas fugiram à responsabilidade de dividir com o Espírito Santo o ICMS gerado pela usina. Mesmo construída em Minas Gerais, a Usina de Aimorés causa prejuízos ambientais e sociais ao Espírito Santo. E, por esta e outras razões, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerado pela hidrelétrica deve ser dividido entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mas não é feito.
Na época da construção, o ICMS gerado era estimado em R$ 2,5 milhões a R$ 3 milhões, mensalmente. A usina tem capacidade instalada de 330 MW (dividida entre três turbinas 110 MW, cada). E foi construída pelo consórcio Companhia Vale do Rio Doce (CVRD - 51%) e Cemig (49%).
Para que a casa de força fosse construída do lado de Minas Gerais, como a barragem, houve necessidade de construir um canal de adução naquele estado, com cerca de 12 quilômetros. No Espírito Santo secaram cerca de 3 dos 12 quilômetros do Rio Doce que ficam praticamente sem água durante dez meses do ano: o trecho capixaba só é abastecido pelo rio Manhuaçu.
A barragem foi transferida para Minas Gerais, mesmo exigindo o alagamento de uma área de 2200 hectares, pelo menos três vezes maior do que seria necessário, caso sua construção fosse no ponto ideal indicado, no Espírito Santo, na divisa com Minas Gerais.
Para construção da Usina de Aimorés houve erro, conivência e negligência do governo federal, inclusive do Ibama. Foram prejudicados pescadores nos dois estados e, agricultores, principalmente em Minas Gerais.
(Por Ubervalter Coimbra,
Século Diário, 30/07/2008)