Por Adão Villaverde*
O desmonte e o achaque a órgãos públicos do Estado, evidenciados pelos recentes escândalos, não param por aí. Eles repercutem também na desestruturação da máquina pública em áreas tradicionais como saúde e educação, chegando também ao importante campo da pesquisa. Pois há pouco tempo o Legislativo estadual foi instado a ser mediador junto ao Executivo da tentativa da comunidade científica/tecnológica de reverter o quadro desastroso a que chegou nossa Fundação de Amparo a Pesquisa do RS (Fapergs).
Com seu Conselho Superior incompleto e acéfala do ponto de vista do comando da instituição, a carência de repasses dos recursos do Tesouro fala por si. Em 2001 os repasses à entidade significavam 27% da fatia constitucional; em 2005 caíram para 15% e em 2007 desceram a menos de 3%, revelando o verdadeiro abandono da área de pesquisa, em plena era do conhecimento.
Ora, em setores nos quais não se faz praticamente nada sem a intervenção do Estado, que detém as maiores possibilidades de aplicação de recursos, retirá-los de uma área vital como a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) é condenar-nos a viver em um deserto de investimentos. Propor que passemos a conviver nessa penúria de verbas públicas na área é sugerir que nos conformemos com uma realidade, também desértica, em pesquisa científica, tecnológica e inovação.
Qual o significado de tudo isto? Se pensarmos que Ciência e Tecnologia se resume àquela imagem tradicional de um abnegado e solitário pesquisador diante de seu microscópio, o significado das ações governamentais talvez possa parecer pequeno. Entretanto, se abandonarmos essa representação imaginária um tanto lírica e atentarmos para o fato de que o desenvolvimento científico-técnico de um país é, antes de tudo, uma obra coletiva e plural, e não solitária e singular, perceberemos também as profundas conseqüências econômicas e sociais quando o estratégico campo da pesquisa fica absolutamente carente de políticas e recursos.
Quando isto ocorre, instaura-se uma verdadeiro "darwinismo" entre pesquisadores sobre os parcos recursos do setor, devendo sobreviver, como na selva, apenas os mais aptos e fazendo com que a Fapergs deixe de estimular os pesquisadores iniciantes que, aliás, têm sido seu papel primordial.
E áreas importantes e fundamentais de pesquisa, reconhecidas nacional e internacionalmente, com os níveis escassos de investimento, simplesmente poderão desaparecer para o "continente" da Ciência e Tecnologia. Pois como imaginar que a ausência de políticas e de repasse de recursos possam sustentar os patamares e os referenciais a que chegaram no RS, neste campo?
Não fosse a política e os recursos federais aportados no Estado e a dedicação da nossa comunidade de pesquisadores não nos permitiríamos vislumbrar ainda algum otimismo na sobrevivência da ciência e da tecnologia. Mas a pergunta que fica é : até quando isto perdurará?
Como se fosse uma "moderna Atlântida", o legendário continente desaparecido no mar, infelizmente e de forma irresponsável, a Ciência e a Tecnologia poderão desaparecer ou desacumular no Estado. É o paradoxal espaço que se perde precisamente nos lugares que mais necessitam ser encontrados, sem deixar sequer os traços de uma legenda, como sua ancestral marítima.
A sociedade gaúcha e suas comunidades científicas e tecnológicas, centros de pesquisa e universidades, estão sendo chamadas a iniciar uma resistência, impedindo que conduzam à submersão o que levou muitos e longos anos para se construir.
Somos nós, agora, que devemos manter iluminados os significados primordiais de desenvolvimento e de progresso que existem dentro dos conceitos de ciência e tecnologia. Pois o governo gaúcho, lamentavelmente, já os abandonou.
* Professor, engenheiro, ex-secretário de C&T/RS, ex-presidente do Fórum Nacional de Secretários de C&T e deputado estadual, AL-RS, 30/07/2008)