A queda no mar de gigantescos pedaços de gelo que se desprendem no extremo sul do Chile e da Argentina deixa maravilhados, a cada ano, milhares de turistas, mas também aponta para mais uma das dramáticas provas do aquecimento global.
Apesar de a contribuição latino-americana para a emissão de gases do efeito estufa, relacionada com o aumento da temperatura média do planeta, ser de apenas 10 por cento, a região revela-se altamente exposta às mudanças climáticas e essa é uma realidade palpável do México à Patagônia.
O recuo das geleiras, a ampliação de áreas desérticas e uma maior ocorrência de furacões dão conta de um fenômeno cada vez mais intenso e que provoca, ainda, a migração de animais para áreas mais frias nas cordilheiras ou rumo ao sul do continente.
Recentemente, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), com sede em Santiago, avisou que as previsões apontam para uma vulnerabilidade ainda maior da região caso continue a avançar o processo de deterioração dos sistemas naturais.
A Comunidade Andina das Nações (CAN) estima que as mudanças climáticas poderiam provocar, a partir de 2015, a perda de 300 milhões de dólares anuais para seus integrantes, ou cerca de 4,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) da Colômbia, do Peru, do Equador e da Bolívia.
"Acreditamos que, junto com as mudanças a atingirem o setor primário, se formará uma cadeia de ação e reação que chegará às finanças públicas", disse o diretor da Divisão de Desenvolvimento Sustentável e Assentamentos Humanos da Cepal, José Luis Samaniego.
"Essa é uma situação de prejuízos crescentes que, por ser gradual, pode ser pouco perceptível caso não ocorra de forma repentina e simultânea", acrescentou o especialista, citando como exemplo o surgimento de furacões mais fortes no Caribe, prejudicando a indústria do turismo naquela região.
O derretimento das geleiras de milhares de anos na cordilheira dos Andes e das calotas polares contribui para uma elevação do nível do mar que promete provocar uma ampla gama de transtornos na biodiversidade e na geopolítica latino-americanas.
Gustavo Nagy, oceanólogo uruguaio e membro do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), uma entidade da Organização das Nações Unidas (ONU), disse que, segundo estimativas do grupo, o nível dos oceanos vai elevar-se de 70 a 80 centímetros até o final do século.
"Para se ter uma idéia, as zonas úmidas, onde metade das aves migratórias do Uruguai pousa em algum momento de sua vida, vão desaparecer se o mar elevar-se 25 centímetros. Estamos falando de algo que nós mesmos talvez vejamos, e não os nossos netos", afirmou Nagy.
"Não temos de falar de coisas que podem acontecer no longo prazo, mas das que vão acontecer dentro de dez ou 20 anos, como o aumento da vulnerabilidade à dengue no norte do Uruguai em 2020 e à febre amarela em 2040 ou 2050, por exemplo, se a temperatura continuar subindo no mesmo ritmo dos últimos anos."
Na Venezuela, o diretor-geral do setor de bacias hidrográficas do Ministério do Meio Ambiente, Rodolfo Roa, citou a elevação do nível dos oceanos e o afastamento das sardinhas das regiões costeiras como dois dos fatores mais preocupantes. As sardinhas figuram entre os peixes mais consumidos do mundo.
(Estadão Online, AmbienteBrasil, 30/07/2008)