Em algumas circunstâncias, uma proposta claramente bem intencionada pode não ser a melhor. Essa premissa ajusta-se perfeitamente ao Projeto de Lei 2308/07, do deputado Eliene Lima (PP-MT), que pretendia obrigar as editoras a utilizar pelo menos 30% de papel reciclado nas suas publicações.
A argumentação do parlamentar baseou-se, corretamente, no ganho ambiental proporcionado pela reciclagem desse material – economia de recursos como água e energia, redução da poluição e até geração de empregos, posto que se agregaria, à cadeia produtiva, uma legião de catadores de “lixo”.
O problema é que, operacionalmente, o Brasil não está preparado para dar tal passo. No dia 3 de abril passado, em audiência pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara Federal, o setor produtivo apresentou argumentos nesse sentido aceitos sem maiores polêmicas.
Segundo o coordenador do grupo técnico de Meio Ambiente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), Robinson Cannaval, seria preciso produzir mais 200 mil toneladas de papel para cumprir a lei. Ele afirmou que o país não tem capacidade para coletar aparas que sejam transformadas em papel reciclado em quantidade suficiente para atender à demanda do projeto. Com isso, o Brasil poderia ter de recorrer à importação de sobras, registrou a Agência Câmara.
A Bracelpa enviou sua posição a AmbienteBrasil. “É preciso esclarecer que tanto o papel de fibras virgens como o reciclado são complementares e têm grande valor para a indústria, visto que ambos fazem parte de uma cadeia sustentável que se origina, exclusivamente, de florestas plantadas de eucalipto e pinus”, diz entidade.
“Assim, considerando que a demanda por aparas brancas será superior à produção total de papel, a medida irá desestruturar o mercado de reciclagem, provocando efeito inverso ao que se almeja. Para aumentar os níveis de reciclagem e a disponibilidade de aparas, o governo, em todas as suas esferas, deve auxiliar o setor no sentido de criar políticas públicas com a finalidade de incrementar a coleta seletiva”, sugere.
A Associação Brasileira de Celulose e Papel diz ainda defender a não intervenção do Estado nesse tema. “Nenhum mercado em economia aberta e regime democrático funciona por medidas impostas pelo governo. Qualquer legislação sobre montantes ou produtos acabará interferindo na liberdade de mercado, podendo gerar, ainda, indução do consumo”, coloca a Bracelpa, informando que atualmente a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) está desenvolvendo um amplo trabalho para normatizar o segmento, que permitirá, em breve, o planejamento de ações efetivas voltadas à reciclagem sustentável de papéis.
A deputada Rebecca Garcia (PP-AM), relatora do PL, já tinha feito um parecer favorável à aprovação deste, mas optou por, antes de apresentá-lo, ouvir as opiniões de especialistas na área. Foi sob esse norte que ela propôs a audiência pública de abril e, a partir dos argumentos levantados, mudou o caráter do projeto.
No dia 10 deste mês, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou a criação de linhas de crédito especiais para as editoras que cumprirem percentuais anuais progressivos de utilização de papel reciclado em suas publicações – o escopo do substitutivo apresentado por Rebecca ao PL inicial.
Trocou-se assim a obrigatoriedade pelo incentivo concreto. Além das ponderações da indústria do setor, pesou ainda na decisão da deputada o ofício enviado a ela pelo Ministério da Educação, contendo parecer do diretor de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Rafael Torino, manifestando posição contrária ao PL.
As alegações foram semelhantes às expostas na audiência, com o alerta adicional de que, caso aprovado o projeto na forma original, haveria o risco da utilização de papel novo para reciclagem, o que logicamente, ao invés de benefício ambiental, seria um total contra-senso.
Outra ponderação dele é que o livro didático brasileiro passa por vários alunos e precisa, por isso, ter uma durabilidade ainda não garantida operacionalmente pelo papel reciclado.
A matéria será sujeita agora à análise das Comissões de Educação e Cultura; e de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.
Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 30/07/2008)