Duas importantes notícias em relação aos projetos de construção de hidrelétricas em rios da Amazônia foram divulgadas nesta semana. A primeira é sobre a hidrelétrica de Jirau. A empresa vencedora da licitação para construção dessa hidrelétrica, a Suez, apresentou um novo projeto que prevê a instalação da barragem nove quilômetros do local inicial e diz que com isso os riscos ambientais diminuirão. Segundo o ambientalista Gustavo Pimentel, essa é a única diferença entre o primeiro projeto que continua sendo ilegal, “porque a licença prévia não cumpriu requisitos essenciais da legislação”.
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Pimentel fala dos principais problemas e conseqüências que essa construção trará. “No front financeiro, estamos alertando os potenciais bancos financiadores, entre eles BNDES, Banco do Brasil, Bradesco, Unibanco, Santander e Itaú dos riscos financeiros e de reputação de participar dos projetos. A maioria destes bancos é signatária dos Princípios do Equador [1], conjunto de regras socioambientais para financiamento de projetos com as quais os empreendimentos do Madeira estão em flagrante descompasso”, disse ele.
A segunda notícia se refere às usinas do Xingu. Segundo o governo, todas as usinas que constavam no projeto inicial foram canceladas, exceto a de Belo Monte. O governo brasileiro afirma que esta foi a concessão que fez aos ambientalistas e, assim, o licenciamento para implantação desta obra será facilitado. Pimentel, sobre este assunto, diz que, mesmo desistindo das outras hidrelétricas, Belo Monte é um grande projeto e influenciará muito na conservação da Amazônia. “Há muitas suspeitas de que a usina de Belo Monte sozinha não é economicamente viável. Além disso, nada impede que o Conselho Nacional de Política Energética, que tomou tal decisão, se reúna novamente durante ou após a construção de Belo Monte e aprove as outras três usinas”, analisou.
Gustavo Pimentel é gerente do Programa Eco-Finanças, vice-presidente da Ong Comunidade em Ação, localizada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. É diretor da Ong Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em relação ao novo projeto de Jirau que a Suez apresentou, quais são as principais diferenças em relação ao projeto anterior? Esse novo projeto é legal, pela perspectiva jurídica?
Gustavo Pimentel – A principal diferença é a mudança da barragem nove quilômetros rio abaixo, na direção do reservatório de Santo Antônio. Segundo a Suez, a mudança reduziria a necessidade de escavação de rocha, o que reduz custos e danos ambientais, mas isso é apenas uma tese, porque ainda não foram apresentados os estudos comprobatórios (em entrevista à Radiobrás em 23-07-2008, a Suez alega que apresentará os estudos na sexta-feira). Já os empreendimentos do Rio Madeira são ilegais porque a licença prévia não cumpriu requisitos essenciais da legislação. A mudança no projeto, sem que haja estudos adicionais e novas audiências públicas na região, apenas aumenta a ilegalidade.
IHU On-Line – Diminuir os riscos de acúmulo de sedimentos no leito do rio, de mortalidade de peixes e de propagação da malária na região podem ser considerados grandes mudanças em relação às ameaças que esta usina pode gerar para a região?
Gustavo Pimentel – Esses impactos não foram adequadamente dimensionados no EIA-RIMA (Estudo de impacto ambiental/Relatório de impacto ambiental), o que resultou no parecer técnico negativo do Ibama em março de 2007, desconsiderado pela própria diretoria do órgão em função de pressões políticas. O ônus da prova neste caso está com a Suez. Os estudos que eles pretendem apresentar devem provar a diminuição ou mitigação desses impactos com elevado nível de certeza, e com tempo para análise do Ibama e de outros especialistas independentes.
IHU On-Line – O que os ambientalistas pensam da nova localização da usina de Jirau? Essa foi uma boa alternativa para que os planos de desenvolvimento do governo e a rotina dos povos da Amazônia sigam em frente?
Gustavo Pimentel – Só será possível saber após conhecer em detalhes os estudos técnicos da Suez. Mesmos que as alterações se provem positivas, na melhor das hipóteses teremos um empreendimento menos ruim, já que as outras ilegalidades e impactos dos projetos independem da localização exata das barragens.
IHU On-Line – Mesmo com as mudanças, que problemas ambientais e sociais ficam para os povos da região amazônica enfrentar com a construção dessa usina?
Gustavo Pimentel – Todos os que já haviam sido detectados antes: aumento do desmatamento, da grilagem, perda de biodiversidade, explosão demográfica e favelização em Porto Velho (Rondônia), aumento da malária e outras doenças, contaminação de peixes e da população por mercúrio, entre outros problemas.
IHU On-Line – Em relação ao complexo do Madeira, quais são os planos dos movimentos sociais a partir de agora?
Gustavo Pimentel – Nós da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, estamos engajados em provar na justiça a ilegalidade dos empreendimentos e a necessidade de se aprofundar os estudos, inclusive na Bolívia. No front financeiro, estamos alertando os potenciais bancos financiadores, entre eles BNDES, Banco do Brasil, Bradesco, Unibanco, Santander e Itaú, em relação aos riscos financeiros e de reputação de participar dos projetos. A maioria destes bancos é signatária dos Princípios do Equador [1], conjunto de regras socioambientais para financiamento de projetos com as quais os empreendimentos do Madeira estão em flagrante descompasso. O banco que insistir no financiamento vai ver desmoronar sua reputação com relação à sustentabilidade, além de poder ser co-responsabilizado na justiça como poluidor indireto, conforme previsto pela legislação ambiental brasileira.
IHU On-Line – Foi anunciado, nesta semana, que a construção das usinas do Xingu seria cancelada, exceto a de Belo Monte. Segundo o governo, essa atitude foi uma concessão aos ambientalistas e facilitará o licenciamento de Belo Monte. Qual é a sua opinião sobre esse fato?
Gustavo Pimentel – Mesmo o complexo de hidrelétricas no Xingu não seja construído e apenas o projeto de Belo Monte seja levando em frente, ainda estaremos falando de uma mega-hidrelétrica em uma das regiões mais importantes para conservação da Amazônia. Os impactos serão imensos, inclusive sobre povos indígenas e tradicionais. O licenciamento será outra batalha. E há muitas suspeitas de que a usina de Belo Monte sozinha não é economicamente viável. Além disso, nada impede que o Conselho Nacional de Política Energética, que tomou tal decisão, se reúna novamente, durante ou após a construção de Belo Monte e aprove as outras três usinas. Para não gerar tal confiança, seria necessário algum instrumento juridicamente mais forte, que não pudesse ser alterado à mercê dos interesses conjunturais.
(Instituto Humanitas Unisinos, 28/07/2008)