O levantamento das áreas de exclusão e de aptidão plena para o plantio de cana-de-açúcar no Brasil, com atenção especial para o cinturão de proteção da Amazônia Legal, identificou a existência de 30 milhões a 40 milhões de hectares de terras, preferencialmente ocupadas hoje por pastagens, como disponíveis e recomendadas para o cultivo de cana nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste.
O estudo do consórcio de cinco órgãos de pesquisa estatais, que será apresentado amanhã ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, sugere forte restrição a áreas com temperatura média anual abaixo de 19ºC e risco de geadas acima de 15%, apurou o Valor com secretarias estaduais com acesso aos dados.
A pesquisa sugere a exclusão de regiões com baixa deficiência hídrica, superior a 120 dias, no período entre setembro e março. O máximo de quebra de safra tolerada seria de 20% para variedades de cana com até cinco cortes. Por isso, os cientistas aconselham o governo a limitar o déficit hídrico a 200 ou 300 milímetros. O trabalho sugere ainda evitar recomendações em áreas com 90 dias sem excedente hídrico na época da colheita, além de desestimular incentivos em zonas de reservas florestais e beiras de rio. O governo deve aplicar como "filtro" os mapas de logística e hidrologia, ainda não considerados pela pesquisa.
Essas áreas de exclusão devem sofrer limitações de financiamento do BNDES à construção ou ampliação de usinas de etanol, restrições na concessão de crédito rural ao plantio de cana e a redução na cobertura de seguro oficial. A adoção de eventuais medidas dependem de uma negociação política com o Congresso Nacional e também estão condicionadas a um acordo entre os ministérios, sobretudo da Agricultura e do Meio Ambiente, além de um consenso com a equipe econômica do governo.
Se tornadas exigências legais pelo governo, as recomendações devem criar uma "blindagem técnica" para o cultivo da cana na Amazônia Legal, avaliam os especialistas. A região amazônica, e também algumas áreas de transição entre o Cerrado e a floresta, não combinam com as condições de solo e de chuva indicadas pelo consórcio composto por pesquisadores de Embrapa, IBGE, Unicamp, Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Para determinar essas variáveis, os cientistas adotaram oito tipos de mapas com informações sobre clima, solo, relevo e uso atual das áreas, além de dados do zoneamento agrícola, que usa o monitoramento de quatro mil pontos de chuvas nos últimos 20 anos.
O estudo do consórcio do zoneamento da cana recomenda a utilização de terras com declividade máxima de 12%. O objetivo é incentivar a mecanização e evitar o uso de queimadas nas futuras áreas de produção, condições impostas pelo Ministério do Meio Ambiente. As regiões mais favoráveis precisam ter média anual acima de 20ºC , produtividade superior a 60 toneladas de cana por hectare e risco de geada menor que 15%. As recomendações, ainda sujeitas a injunções políticas no governo e no Congresso, exigem irrigação de "salvamento" (após o plantio) em áreas de Cerrado na linha acima de Goiânia (GO).
As recomendações dos cientistas excluem, em uma avaliação técnica preliminar do trabalho, áreas dedicadas à produção intensiva de grãos, como as fronteiras agrícolas do sul do Maranhão e do Piauí, além do sudoeste de Goiás, onde existe forte resistência à expansão da cana. Em Tocantins, seriam não-recomendadas as zonas próximas à Ilha do Bananal. Em Mato Grosso, seriam desencorajados empreendimentos na região de Rondonópolis e no médio norte do Estado, onde estão Sorriso, Sinop, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum.
Os "incentivos" do governo na Amazônia Legal seriam para a região de Gurupi (TO) e no Vale do Araguaia (MT). Os estudos estimam que a cana poderia ocupar até 2 milhões dos atuais 5,6 milhões de hectares de pastagens de Tocantins. Em Mato Grosso, poderiam ser convertidos até 3 milhões dos atuais 15,6 milhões de hectares de pastos.
À exceção do litoral, o Estado de São Paulo, maior produtor nacional de cana, estaria totalmente apto a novos cultivos. Sobretudo a região de Araçatuba. A pesquisa estima um crescimento potencial de 30% a 40% em áreas hoje ocupadas por pastagem São Paulo.
Outras áreas bastante promissoras, segundo o consórcio de pesquisadores, seriam o noroeste do Paraná, a região do chamada arenito cauiá, onde a cultura tem se adaptado facilmente. O norte do Rio Grande do Sul, o Triângulo Mineiro e o sul de Mato Grosso do Sul também seria zonas de alto potencial de solo, clima, relevo e uso atual para o plantio da cana.
(Por Mauro Zanatta, Valor Online, 28/07/2008)