Os "Raimundos" da Silva, um de Faro e outro de Oriximiná --ambas cidades do oeste do Pará-- estão preocupados. O primeiro projeto de concessão florestal do Estado, desenvolvido pelo SFB (Serviço Florestal Brasileiro), vai ocorrer aqui. A proposta prevê que uma empresa comece a explorar madeira na região, retirando árvores em um ritmo que não comprometa a saúde da floresta.
É uma proposta ousada. Na mesma região, existe mineração de bauxita e a comunidade local pleiteia participação na atividade madeireira.
A preocupação do primeiro Raimundo, mais conhecido como padre Dico, que dirige a paróquia da cidade de Faro há 13 anos e tem fama de encrenqueiro, resume o espírito percebido em todas as três audiências públicas sobre a concessão, acompanhadas pela reportagem da Folha neste mês, sob a forte presença do calor equatorial.
"A sociedade está desinformada e mal organizada", diz. "As palavras [do governo] não são traduzidas. Não temos entidades que possam fazer reivindicações", afirmou o líder religioso durante a audiência em sua cidade, que tem uma área 673% maior que a do município de São Paulo, mas uma população de 10 mil habitantes.
Sem dominar a técnica do manejo, ainda, a comunidade local teme ser excluída do processo. O medo é que a nova proposta seja apenas discurso para encobrir o "neocolonialismo" que é comum na Amazônia.
"Quando a mineração chegou [nos anos 1970], as promessas foram as mesmas", diz Dico.
A palavra oficial, porém, foi dirigida a todos desta vez. O plano é licitar quatro trechos da floresta nacional Saracá-Taquera. No total, serão entregues à incitava privada 215.354 hectares --já há vários interessados. Uma mesma empresa não poderá acumular mais de um lote. Todas terão de fazer um manejo sustentável da floresta e não poderão vender açaí nem castanha-do-pará, que já são explorados pelos locais.
Caminho único
Com o segundo projeto de concessão em curso --o primeiro, em Rondônia, está em implementação-- o governo espera arrecadar R$ 13,6 milhões por ano, no mínimo. Para o diretor-geral do SFB, Tasso Azevedo, promover a inclusão das comunidades locais no manejo florestal é o único caminho que existe para a economia da Amazônia crescer sem desmatar. Em Terra Santa, outra cidade visada pelas concessões, a cultura do manejo também não existe. Toda extração de madeira, afirma o prefeito Adalberto Cavalcante (PMDB), é "ilegal".
O outro Raimundo da Silva, 63, que não é padre, mas um ribeirinho da região, afirma que, antes de a mineração chegar, o rio local era limpo e cheio de peixes. "Depois, tudo ficou turvo e eles se afugentaram", diz. Ele esteve na audiência pública de Oriximiná para defender seu ponto de vista.
"Não podemos brigar com o governo, mas a mineração só empregou doutor. E será que agora [com a concessão] não poderemos nem tirar um pau para vender ou fazer canoa?", diz o agricultor, que nunca saiu da região. Sem a cultura técnica do manejo, a maioria vive do pequeno extrativismo, do cultivo de mandioca, do gado ou da pesca --o povo prefere muito mais não ser atingido por esses novos projetos do que fazer parte deles.
Os políticos, entretanto, sonham com os empregos, os projetos sociais (isso dá pontos na licitação) e preferem que os vencedores do edital instalem as madeireras lá mesmo.
Riqueza mineral
A coexistência com a mineração, também, pode gerar conflitos com novas empresas de madeira no local. A vista desde o avião pousando na pista privada de Porto Trombetas --a dona é a mineradora MRN-- suscita uma pergunta. Bauxita ou floresta? Na janela, em meio a área da Flona (Floresta Nacional), vêem-se vários clarões. São os chamados platôs --morros descascados para retirada do minério no meio da floresta.
O ciclo da bauxita na região, segundo Ademar Cavalcanti Silva Filho, gerente de saúde, segurança, ambiente e relações com a comunidade da MRN, vai durar mais uns 35 anos. E, até lá, a mineração terá de conviver com a concessão florestal.
A Flona de Saracá-Taquera, criadas nos anos 1980, protegeu as áreas de bauxita. Agora, os platôs vão ficar no meio das áreas que serão licitadas.
"Não podemos ser contra. A mineração considera o manejo bem-vindo, ainda mais se ele for feito antes [da extração de bauxita]. Não tem problema fazer os dois", diz o piauiense Silva Filho, que há 30 anos vive na "vila privada" de Trombetas.
As audiências públicas serviram para romper a desconfiança da sociedade sobre a concessão, mas pôr em prática a inclusão da comunidade local no projeto ainda é desafiador. O presidente da Câmara Municipal de Faro, que é da zona rural, ilustra a dificuldade.
"Nossa produção aqui é farinha e peixe", diz José Maria Gato Gonçalves (PTB). "É muito mais importante agora tentar preservar a comunidade [dos novos projetos] do que criar uma cultura do manejo".
"Nós vamos trabalhar com as expectativas e a demanda da sociedade", diz Azevedo, pelo governo. A meta em questão é impedir que a exploração econômica fique descolada do desenvolvimento social da região.
(Por Eduardo Geraque, Folha de S.Paulo, Folha Online, 28/07/2008)