Não restam dúvidas de que a discussão em torno da internacionalização das terras no Brasil é uma questão imperativa na agenda nacional. No entanto, como tudo o que envolve a presença de estrangeiros no país, de alguma forma costuma trazer consigo o peso do ufanismo, herdado da era Vargas, dos movimentos sindicais, e do regime militar das décadas de 60 a 80.
O romantismo em torno do tema muitas vezes não nos permite racionalizar de forma pragmática, o que pode se tornar um perigoso aliado na definição do conceito de segurança nacional e da sua conseqüente tutela. O assunto já vem tomando corpo, mas os debates parecem estar sendo prejudicados por conclusões sem embasamento, já que não levam em conta os dados já apresentados pelos órgãos oficiais, como a localização e a área de atuação desses empreendimentos.
A questão precisa ser analisada em conjunto com outros fatores igualmente importantes, como a degradação ambiental desenfreada das áreas rurais, a falta de registro de terras na maior parte do país, as divisas trazidas pela atuação dos estrangeiros na área rural e, finalmente, até onde essa presença alienígena pode comprometer a segurança nacional.
De acordo com os resultados mais recentes apresentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o número de imóveis comprados por estrangeiros no último ano aumentou nas regiões Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul e teve uma redução na região Norte. Além disso, dentre as atividades exercidas por estrangeiros estão principalmente a produção de biocombustíveis (etanol) e commodities, geralmente distante da região amazônica, região estratégica do ponto de vista científico e militar.
De acordo com a nossa legislação, a Lei nº 5.709, de 1971, que regula a compra de imóveis rurais por estrangeiros, estabelece que nenhuma pessoa física ou jurídica estrangeira pode ter mais de 50 glebas de terra em área rural, o que, dependendo da região, pode representar até o equivalente a cinco mil hectares. Além disso, a mesma lei estipula que as propriedades em mãos de estrangeiros não podem ultrapassar um quarto dos municípios onde se situem. Outras formas de ocupação por estrangeiros ainda precisam ser reguladas, como o arrendamento ou aluguel, institutos não abrangidos pela legislação, mas que já é tratado em um projeto de lei aprovado em algumas instâncias do Congresso Nacional. Com relação à segurança nacional, o artigo 7º da Lei nº 5.709 vincula a aquisição dessas áreas por estrangeiros ao assentimento prévio pela Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.
O que não pode ocorrer é que tornemos inviável a aquisição de terras por estrangeiros em situações que não firam a segurança nacional, pois tal ato seria de inconstitucionalidade flagrante, tendo em vista a consagração, em cláusula pétrea, do princípio de igualdade entre brasileiros e estrangeiros em nossa Carta Magna. Se as autoridades fiscalizarem essas regiões corretamente não haveria qualquer ameaça com a ocupação de estrangeiros na área rural. Pensar diferente disso seria voltarmos à época em que qualquer investimento estrangeiro no setor produtivo do país era visto como um ataque à nossa soberania, o que mais tarde pudemos verificar ter sido um dos grandes motivos do atraso ao nosso desenvolvimento.
A versão completa do artigo de Márcio Mattos de Oliveira, advogado especializado em direito ambiental, energia e agronegócio do escritório Pompeu, Longo, Kignel & Cipullo Advogados, está publicada no Valor Econômico desta segunda-feira, 28/07/2008.
(Valor Econômico. Adaptado por
Celulose Online, 28/07/2008)