“Apesar de todos os problemas, é muito importante despertar o interesse da opinião pública e dos tomadores de decisão para o Pantanal, talvez pelo seu tamanho, já que é uma das maiores áreas úmidas do mundo (tendo 160 mil quilômetros quadrados de área alagável e ainda está relativamente bem preservado). É necessário, afinal, desenvolver políticas públicas que garantam a conservação e o uso sustentável, não só do Pantanal, mas de todas as áreas alagáveis”, expressou o professor Paulo Teixeira, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Teixeira é coordenador da 8ª Conferência Internacional de Áreas Úmidas. É a primeira vez, em 32 anos, que ela ocorre na América Latina. Ele fala, nesta entrevista, sobre os riscos que o Pantanal e todas as áreas úmidas do Planeta correm com o aquecimento global e como podemos conter os problemas que essas regiões podem vir a sofrer. Para Paulo, “esses locais nos prestam serviços ambientais valiosíssimos, pois são áreas de recarga de aqüífero, purificam água, estabilizam ciclo hidrológico e pouca gente sabe disso”.
Paulo Teixeira de Sousa Júnior é graduado em Química, pela Universidade de Brasília. Obteve os títulos de mestre e doutor em Química Orgânica, pela Universidade de São Paulo e pela University of East Anglia, na Inglaterra, respectivamente. Atualmente, atua como voluntário no Centro de Pesquisas do Pantanal. É também diretor Pantanal Regional Environmental Programme, um dos 14 centros de pesquisa da United Nations University, e professor da Universidade Federal de Mato Grosso. Confira a entrevista.
Por que as áreas alagadas são as mais atingidas pelos efeitos do aquecimento global?Paulo Teixeira – Eu não diria que são as mais atingidas. O que digo é que elas estão em risco. O IPCC desenhou vários cenários em relação ao aquecimento global e em cada um deles as áreas úmidas serão atingidas de uma forma diferente. O pior cenário desenvolvido pelo IPCC diz que podemos vir a perder até 85% delas se as conseqüências previstas no relatório ocorrerem. Acontece que as áreas úmidas, principalmente as do norte, no Canadá, na Rússia e na Escócia, armazenam muito carbono. Não é muito o caso do Pantanal, dando um exemplo brasileiro. Estima-se que a quantidade de carbono que tem armazenado nessas áreas, se for liberado para a atmosfera, pode dobrar. Se isso acontecer, teremos um ciclo vicioso: quer dizer, conforme você destrói a área úmida, o CO2 é liberado e, por conseqüência, o efeito estufa piora. Com isso, mais áreas úmidas serão destruídas e mais CO2 será liberado. Uma das estimativas diz o seguinte: que, a cada 0,5% de área úmida que se destrói, é liberada na atmosfera uma quantidade de carbono equivalente a todo o carbono liberado em um ano pelas atividades antropogênicas, ou seja, queima de combustíveis etc. Então, as áreas úmidas, que são muito importantes, ajudando a controlar o clima, também são afetadas pelas mudanças climáticas.
Que atitudes provocam um maior efeito nessas áreas alagadas, sobretudo no Pantanal?Paulo Teixeira – Vou falar do Pantanal, mas existem várias áreas úmidas ao redor do mundo afetadas por várias atividades humanas. Nós temos alguns níveis de ações que afetam o Pantanal, entre os quais aquele que atinge todas as áreas úmidas. O Pantanal é afetado por ações antropogênicas, ou seja, por atividades humanas que ocorrem no entorno das áreas altas, no Planalto, onde temos agricultura de larga escala bastante intensa. Essa agricultura provoca compactação de solo, assoreamento de rios. Além disso, pesticidas são jogados no ambiente e isso tem sido carreado para o Pantanal. Mas não é só isso: cidades como Cuiabá, por exemplo, que tem em torno de 800 mil habitantes, na borda do Pantanal, produzem muito lixo urbano, resíduo sólido e afins, que têm sido levados ao Pantanal e são causa de grande preocupação para nós.
No momento, o que está impactando o Pantanal, na planície alagável, propriamente dita? Paulo Teixeira – Em Mato Grosso do Sul, existe um problema grave de desmatamento para produzir carvão. Em Mato Grosso, existe a perda da competitividade econômica das atividades que sustentam a população pantaneira, que é a pesca e a pecuária. A pecuária foi introduzida no Pantanal há cerca de 300 anos e é uma atividade sustentável. Isso porque o bioma se adaptou à presença do gado, e o fazendeiro do Pantanal tem, em seu conhecimento tradicional, o manejo sustentável dessas terras de tal maneira que, no momento de fazer uma limpeza de campo, sabe quais espécies pode retirar, quando pode fazê-la e em que época do ano. Como a população está empobrecendo, porque o gado do Pantanal não compete mais, as terras daqui estão barateando muito e sendo vendidas para pessoas de outras regiões que não têm o conhecimento desse manejo tradicional. Tudo isso causa um impacto ambiental.
Além disso, antes nós tínhamos uma quantidade maior de gado aqui, ele comia o nosso capim e, quando chegava na época da seca, não sobrava muita biomassa. Hoje, com a retirada do gado, ele não come mais essa grama ou come menos e na época da seca temos uma grande quantidade de capim que muitas vezes pega fogo com facilidade, o que causa impacto no meio ambiente. Apesar de todos os problemas, é muito importante despertar o interesse da opinião pública e dos tomadores de decisão para o Pantanal, talvez pelo seu tamanho, já que é uma das maiores áreas úmidas do mundo (tendo 160 mil quilômetros quadrados de área alagável e ainda está relativamente bem preservado). É necessário, afinal, desenvolver políticas públicas que garantam a conservação e o uso sustentável, não só do Pantanal, mas de todas as áreas alagáveis.
Depois de inúmeras denúncias e apresentação de dados em relação à destruição do meio ambiente, o senhor acha que as pessoas já acordaram para esse problema?Paulo Teixeira – Eu creio que sim. Hoje, determinadas demandas já extrapolaram o movimento ambientalista e, por isso, eu acredito que a população já se deu conta da importância da preservação ambiental. Isso não vale muito para as áreas úmidas, infelizmente, porque a população tem uma imagem muito negativa dessas regiões. O Pantanal é uma exceção porque é dotado de uma beleza ímpar. Mas, quando se fala em pântano, em área úmida, geralmente as pessoas imaginam um lugar lodoso, fedido e cheio de mosquito, o que, em muitos casos, é verdade. Só que esses locais nos prestam serviços ambientais valiosíssimos, pois são áreas de recarga de aqüífero, purificam água, estabilizam ciclo hidrológico e poucos sabem disso. Então, essa é a importância de levar esse conhecimento à população.
Como podemos reduzir os efeitos do aquecimento global sobre o Pantanal?Paulo Teixeira – A partir do momento em que se consegue sensibilizar o tomador de decisões para fazer políticas públicas para preservar as áreas úmidas, aumenta a saúde nelas e, por conseqüência, a resiliência. Desse modo, elas resistem melhor ao aquecimento global porque têm essa função de regular o ciclo hidrológico. Na época da chuva, agem como se fossem esponjas, ou seja, absorvem água que é lentamente liberada na época da seca, atuando, então, como “zonas-tampão”. Mas, para isso ocorrer, elas precisam estar em bom estado. Por isso, é importante que nós preservemos as áreas úmidas, até porque funcionam como estabilizadores do efeito estufa.
A agricultura é a maior responsável pela degradação do meio ambiente na região do Pantanal?Paulo Teixeira – Não. Não se trata de demonizar a agricultura, porque nós precisamos comer. Mas a forma como ela está sendo feita é um problema, na medida em que faltam políticas públicas. Em janeiro deste ano, em Mato Grosso, foi aprovada uma lei de gestão do Pantanal, que tem seus prós e contras, como toda lei, mas é melhor do que não existir nenhuma. No entanto, não podemos generalizar no sentido de demonizar uma atividade da qual precisamos. É preciso ter, por exemplo, uma reserva. Você vai plantar determinada coisa e precisaria ter 20% da sua área preservada, por exemplo. Então, são ações que os tomadores de decisões devem fazer para possibilitar que a agricultura seja feita de maneira sustentável.
O senhor está coordenando o oitavo Intecol (Conferência Internacional de Áreas Úmidas). O que está sendo colocado em relação à exploração sustentável das áreas úmidas brasileiras?Paulo Teixeira – Um dos gargalos que detecta a sustentabilidade das áreas úmidas, pensando no Brasil, é que nossa legislação não tem clareza do que é área úmida. É necessário definir isso primeiro para se fazer política pública. Precisamos que isso seja implementado. Mas, a fim de se desenvolver política pública para preservação de área pública, deve-se, em primeiro lugar, definir o que são essas áreas, e a lei, como eu disse, nem sempre é clara. Além disso, existe contradição entre diversos níveis de legislação. Então, é necessário que exista uma legislação capaz de definir o que é área úmida e que haja harmonia entre legislação federal e estadual. Indo além disso, o que está se discutindo aqui no evento é a necessidade de se fazer um inventário sobre as áreas úmidas e fazer uma classificação de habitats dentro dessas áreas. A partir disso, com esse conhecimento e uma definição clara na lei do que são essas áreas, já teremos condições de fornecer dados ao tomar decisões para desenvolver essas políticas públicas.
Qual é a importância de um evento como esses acontecer no Brasil?Paulo Teixeira – É a primeira vez que este evento vem para a América Latina. Ele acontece há 32 anos, de quatro em quatro anos, e está em sua oitava edição. É um evento promovido pela Associação Internacional de Ecologia, sediado nos Estados Unidos. Essa edição está sendo organizada pela Universidade Federal do Mato Grosso e pelo Centro de Pesquisas do Pantanal. A previsão é de que ela tenha como resultados principais a sensibilização da opinião pública no que se refere a essa questão, além do avanço que a ciência terá, pois estamos discutindo com os maiores especialistas do mundo sobre o estado da arte do conhecimento científico a respeito, por exemplo, das áreas úmidas. Então, não há dúvida de que isso irá incentivar muitos novos pesquisadores e jovens, para que se interessem pelo assunto também. Ou seja, de modo geral, creio que a pesquisa em áreas úmidas, no Brasil, como um todo, será impactada por essa reunião. É um marco na história da pesquisa de áreas úmidas. Já foi anunciada aqui, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a criação do Centro Nacional de Pesquisas do Pantanal, que será instalado, aqui em Cuiabá, no câmpus da Universidade Federal do Mato Grosso, sinalizando um grande ganho para a causa das áreas úmidas.
(
Instituto Humanitas Unisinos, 24/07/2008)