Ao contrário do que se imagina, nem sempre faltam recursos para as empresas dispostas a investir na pesquisa de novas tecnologias e produtos. Muitas vezes as principais agências financiadoras em operação no País têm sobra de caixa, porque várias empresas não apresentam corretamente seus projetos de inovação. Detalhe: vale inclusive quando o crédito disponível é a fundo perdido.
No ano passado, o Ministério da Ciência e Tecnologia deixou de repassar 100 milhões de reais por falta de candidatos em condições de se enquadrar na linha de empréstimos não-reembolsáveis, cujo orçamento chegou a 450 milhões de reais. De acordo com o ministério, faltaram “bons projetos” em sintonia com as prioridades definidas pelo governo federal. Antes vetado pela legislação, o financiamento não-reembolsável para empresas privadas passou a ser possível a partir de 2005, quando entrou em vigor a Lei de Inovação, aprovada no fim do ano anterior.
Para contrapor-se ao problema, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criou em maio passado uma linha de empréstimos com o objetivo de qualificar as empresas interessadas em inovar. “Percebemos que muitas têm dificuldade para entender o que esperamos delas e como podem investir”, afirma Helena Tenório, chefe do Departamento de Políticas e Programas do BNDES. “Elas precisam estar aptas a avaliar o chamado capital intangível.” Com financiamento mínimo de 1 milhão de reais, reembolsáveis, as empresas poderão criar áreas específicas em suas estruturas voltadas à pesquisa e desenvolvimento.
No caso de empresas de menor porte, o banco tem como política investir por meio de participação acionária, sempre minoritária. No jargão dos especialistas em inovação, trata-se do chamado seed money (capital semente). “Quando o risco envolvido na pesquisa é maior, optamos por comprar uma parte do capital da empresa, por meio dos fundos de investimento que o banco possui”, diz Helena.
Em geral, são empreendimentos em processo de formação, com um limite de investimento de 1,5 milhão de reais por empresa, em geral suficiente para a aquisição de 20% a 30% do capital total. Anualmente, o banco elege três áreas prioritárias de incentivo. Em 2008, foram escolhidas saúde, especialmente doenças consideradas negligenciadas, energias renováveis e redução de emissões de poluentes.
Além destes, há os setores tradicionalmente apoiados pelo BNDES, como a indústria farmacêutica e a de software, ambas intensivas em capital intelectual. Em junho passado, o banco anunciou a concessão de um empréstimo de 2,2 milhões ao laboratório Eurofarma, de capital nacional, para desenvolver um medicamento para o tratamento de pacientes com câncer de esôfago. O volume de recursos representa metade do que a empresa pretende investir no projeto.
O plano estratégico do banco para os próximos anos prevê o crescimento contínuo dos recursos disponíveis à inovação tecnológica, com uma taxa anual de crescimento de 9,8%. Em 2005, o banco comprometia 12 bilhões de reais no financiamento a projetos de pesquisa e desenvolvimento. A expectativa do banco é emprestar 18 bilhões até 2010.
Pesquisas dessa natureza são relevantes para enfrentar a crescente dependência brasileira dos medicamentos importados. Nos últimos anos, com o aumento das importações, o País aumentou consideravelmente seu déficit comercial na área, em decorrência em boa medida da maior abertura da economia e o conseqüente fechamento de várias indústrias farmacêuticas instaladas no mercado brasileiro. Em 2008, o déficit deverá superar a casa dos 5 bilhões de dólares.
Ainda que seja evidente a dificuldade empresarial, o investimento em pesquisa e desenvolvimento do setor privado tem sido fundamental para ao menos manter o volume total de recursos investidos. Nos últimos anos, o setor público tem patinado, com ligeiro recuo do total despendido.
Em 2000, o investimento público em P&D foi de 8,7 bilhões de reais, equivalentes a 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) ou 60% do total investido, o qual somou 1,2% do PIB. Em 2006, a participação pública caiu a 50% do total investido, o qual, por sua vez, somou 1,4% do PIB. Ou seja, a iniciativa privada ampliou seus gastos em inovação de 0,5%, em 2000, para 0,7% do PIB.
Em comparação com outros países, o investimento brasileiro em pesquisa e desenvolvimento deixa a desejar. A começar pelo Japão, há anos líder mundial, com investimentos de 3,3% do PIB. Ou a Coréia do Sul, outro caso bem-sucedido, cujos gastos somaram quase 3% do PIB. EUA, Alemanha e Cingapura também aparecem bem colocados no ranking internacional, com investimentos oscilando entre 2% e 3% do PIB.
China, Reino Unido, Austrália e Canadá aparecem em seguida, com gasto entre 1,5% e 2% do produto interno. Em um patamar próximo ao brasileiro, encontram-se países como França, Itália, Espanha e Rússia, cujo investimento varia de 1% a 1,5% do PIB. Os números ajudam a entender o desempenho ruim do Brasil em número de patentes concedidas.
Além da Finep e do BNDES, as pesquisas voltadas a inovações tecnológicas recebem recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As duas instituições federais, responsáveis por apoiar a graduação e a pós-graduação, concederam no ano passado 90 mil bolsas de estudo no País e no exterior. Em 2008, 10 mil estudantes alcançaram o título de doutor e 33 mil, de mestre.
Apesar do crescimento da pós-graduação, o Brasil ainda tem muito a fazer para reverter o histórico gargalo do sistema superior nacional. Entre os jovens de 18 a 24 anos, apenas 11% estão matriculados em um curso superior, um dos índices mais baixos da América Latina.
No caso do estado de São Paulo, a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), que desde 1995 apóia o desenvolvimento tecnológico. Voltada inicialmente para a pesquisa acadêmica, a instituição passou a financiar, alguns anos depois, investimentos em pesquisa e desenvolvimento de pequenas empresas. Em 2008, com um orçamento de 70 milhões de reais, a Fapesp lançou um programa para incentivar as pesquisas em biocombustíveis, especialmente o etanol de cana-de-açúcar.
No caso da pós-graduação, o sociólogo Glauco Arbix, do Observatório da Inovação, da USP, chama a atenção para outro dado que considera preocupante: a elevada participação dos estudantes de cursos de humanas no total de alunos matriculados. “É curioso e, ao mesmo tempo, preocupante que as Humanidades ocupem espaço tão grande. É certo que precisaremos da contribuição de filósofos e sociólogos para entender o mundo que está aí, mas precisamos urgentemente aumentar a participação de engenheiros e biólogos capazes de desenvolver as novas tecnologias”, afirma Arbix.
(Por Luiz Antonio Cintra, Carta Capital, 25/07/2008)