Estatal fornece água potável, mas cobra pelo preço de água de reúso, bem mais barata
Com o benefício, empresa conseguiu economizar cerca de R$ 20 milhões; água seria suficiente para atender a cerca de 19 mil pessoas
A Sabesp (companhia de abastecimento ligada ao governo de São Paulo) fornece 63 milhões de litros de água potável por mês para uma fábrica de papel, desde 2001, mas cobra pelo preço de água de reúso, que vem do tratamento de esgoto e é até 75% mais barata.
Além da vantagem econômica à iniciativa privada -que, segundo cálculos de técnicos da própria estatal, conseguiu uma economia superior a R$ 20 milhões-, a situação é reveladora de um desperdício de água potável tratada pela Sabesp.
A fábrica recebe por mês uma quantidade de água potável suficiente para atender às necessidades de 19 mil pessoas -ou seja, mais do que a população da Sé (centro de São Paulo).
A condição especial foi obtida pela Santher (fabricante do papel higiênico Personal, líder de mercado) por meio de um contrato firmado no governo Geraldo Alckmin (PSDB) e acabou postergada por quase sete anos em razão de sucessivos atrasos em obras da Sabesp.
Pelo contrato de outubro de 2001, a Sabesp se comprometeu a disponibilizar 90 milhões de litros de água não-potável por mês para a Santher utilizá-la em processos industriais.
Uma cláusula permitiu a distorção que se arrasta até hoje: ela previa que, se a estatal não conseguisse atender ao contrato, teria de fornecer, pelo mesmo preço, a água potável. É isso que ocorre desde então -apesar de a Sabesp pregar a importância do uso racional da água em suas campanhas.
Em 2002, a Santher chegava a pagar R$ 14,90 para cada dez mil litros recebidos, enquanto a tarifa industrial da água potável poderia alcançar R$ 63,20.
Hoje, a Sabesp diz que a fábrica paga R$ 29,70 por essa quantidade -contra ao menos R$ 53,50 cobrados de grandes clientes por água potável.
Oficialmente, a estatal só reconhece uma diferença acumulada de R$ 7,6 milhões desde junho de 2003 (diz não ter como calcular para período anterior) que beneficiou a Santher em relação a grandes empresas.
Infra-estrutura
Quando da assinatura do contrato com a Santher, a Sabesp já sabia não ter infra-estrutura naquele momento para cumprir o contrato e enviar esse volume de água de esgoto tratado à fábrica (cuja unidade é situada na Penha, na zona leste de São Paulo).
O motivo era simples: não existia rede de fornecimento do produto da estação de tratamento mais próxima, no Parque Novo Mundo, para lá.
Além disso, a quantidade de água de reúso prometida para a fábrica era próxima do total de 100 milhões de litros por mês que a Sabesp diz fornecer hoje em dia em todos os contratos desse tipo -para prefeituras, construtoras e indústrias.
Pelo acerto de 2001, a Santher repassou R$ 1,2 milhão para a Sabesp fazer essa linha de fornecimento da água de reúso -e, enquanto ela não ficasse pronta, seguiria ganhando água potável pelo mesmo preço.
Até hoje (25), a obra não foi totalmente concluída, e, por isso, a estatal só abasteceu a fábrica com água potável, que não interfere nos processos industriais, mas pode ser usada também para outras finalidades.
A promessa da Sabesp é de concluir os testes da estação de tratamento e da rede de fornecimento à Santher no mês que vem, para deixar de enviar a água potável para a empresa.
A água de reúso não passa pelo mesmo tratamento daquela que pode ser consumida por humanos ou para higiene pessoal, mas é considerada adequada para outras atividades.
A importância da difusão desse produto sempre foi alardeada pela Sabesp. "Cada litro de água de reúso utilizado representa um litro de água conservada em nossos mananciais", divulga a estatal.
O contrato foi assinado em 2001 por Marcelo Salles Holanda de Freitas (então vice-presidente de distribuição e hoje diretor da Sabesp) e Paulo Massato (então superintendente e hoje diretor metropolitano). Foi aditado em 2005 e 2006.
A empresa Santher foi fundada há 70 anos por Fadlo Haidar e até hoje o seu controle acionário é exercido por membros da família.
(Por Alencar Izidoro e Evandro Spinelli, Folha de S. Paulo, 25/07/2008)