Presença quase indispensável como revestimento de edifícios, a argamassa pode ser vítima de fissuras que provocam infiltração de água e proliferação de microrganismos e também problemas de aderência, com possibilidade de quedas de partes do revestimento, além de comprometer o aspecto estético da obra.
Para desenvolver tecnologias que melhorem a qualidade da argamassa e dos revestimentos com ela produzidos, e também para unificar padrões de avaliação de desempenho, surgiu o Consórcio Setorial para Inovação Tecnológica em Revestimentos de Argamassa (Consitra). Pesquisadores da Escola Politécnica (Poli) da USP integram o projeto, que conta com a participação de empresas do setor de construção e também de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG).
O consórcio surgiu a partir de um edital da Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia, que solicitava projetos em parceria com a iniciativa privada e que envolvessem uma rede de centros de pesquisa, para serem incluídos no Programa de Tecnologia de Habitação (Habitare). Também havia uma demanda dos fabricantes de argamassa e das construtoras para o desenvolvimento tecnológico dos revestimentos, que levou à participação da Associação Brasileira de Argamassa Industrializada (ABAI), da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e do Sindicato da Indústria da Construção de São Paulo (Sinduscon-SP).
“Aproximadamente 95% de todas as fachadas de construções utilizam argamassa como revestimento, seja como base para outros revestimentos ou para os sistemas de pintura”, calcula a professora Mércia Barros, da Poli, uma das coordenadoras do consórcio. Em fachadas externas, um dos principais problemas do revestimento de argamassa são as fissuras. “Além do comprometimento estético provocado na pintura, há uma perda da estanqueidade, ou seja, há entrada de água para o interior de edifício”, explica Mércia. A água que penetra compromete a habitabilidade, tornando os ambientes mais úmidos e propícios à proliferação de microorganismos como fungos e bolores. Os microorganismos também provocam manchas que escurecem as fachadas.
Os problemas com a aderência da argamassa ao substrato (a base da construção, que pode ser de alvenaria de blocos ou concreto, entre outros materiais) podem causar quedas de partes do revestimento. “Em edifícios de grande altura, essas quedas podem provocar graves acidentes comprometendo a integridade das pessoas ou mesmo provocando danos materiais como em veículos ou outras construções que estejam próximos”, ressalta a professora. Um dos subgrupos do projeto procura entender cientificamente o material argamassa cuja composição se faz usualmente pela junção de areia, cal, cimento, aditivos (produtos químicos como retentores de água, incorporadores de ar, plastificantes, entre outros) e adições como por exemplo, as fibras.
Aplicação
“Conhecer as proporções e as características de cada componente ajuda a compreender o comportamento reológico da argamassa, o que permite aprimorar sua aplicação e desempenho final”, acrescenta a pesquisadora. Os estudos do Consitra permitiram identificar que nem todo tipo de fibra de polipropileno disponível no mercado é indicado para argamassas. Os trabalhos permitiram ainda avançar no entendimento do comportamento dos aditivos para minimizar a presença de microorganismos - e identificou-se que nem todos são eficientes. A base em que é aplicado o revestimento também é estudada, pois a porosidade e as condições superficiais variam conforme o material utilizado, o que altera a aderência da argamassa.
As condições de aplicação também são objeto das pesquisas de um subgrupo da equipe. “Percebeu-se que o processo manual, por utilizar grandes quantidades de material nas colheres de pedreiro, pode comprometer a resistência de aderência da argamassa”, relata Mércia. “Por isto, tem sido cada vez mais indicado a aplicação por projeção mecânica, hoje adotada por diversas construtoras. A projeção, além de potencializar a energia de aplicação, possibilita uniformidade na realização do trabalho e poupa esforços da mão-de-obra”.
Outros trabalhos analisam a influência da temperatura na durabilidade dos revestimentos. As pesquisas desenvolvidas pelo Consórcio servirão para elaborar um “manual de projeto, que reunirá todos os cuidados necessários na escolha do material, execução e aplicação da argamassa”. Os resultados dos estudos são apresentados às empresas em reuniões mensais. “São workshops em torno de dois ou três temas específicos, realizados na última sexta-feira de cada mês”, conta a professora. “Desse modo, o conhecimento é absorvido de forma mais imediata pelos fabricantes de argamassa e construtoras”. O grupo também atua na parte de normalização, para padronizar os ensaios com argamassa e evitar disparidades na metodologia de avaliação e nos resultados.
Uma norma sobre módulo de deformação já foi publicada e outra, sobre o ensaio de resistência de aderência, está em fase de discussão. A produção dos pesquisadores também é divulgada em publicações técnicas, científicas e congressos. Até outubro do ano passado, foram publicados mais de 40 artigos técnico-científicos pela equipe do consórcio. Em três anos, foram investidos cerca de R$ 1 milhão no projeto, que envolve cerca de 25 pesquisadores da Poli, da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenados pelos professores Wanderley John e Mércia Barros, da Poli, e Helena Carasek, da UFG. A participação das empresas é coordenada pelo engenheiro Fábio Campora, da ABAI. O consórcio também conta com recursos da Fapesp.
(Por Júlio Bernardes, Agência USP, 23/07/2008)