O governo Lula deu mais um passo polêmico em sua política ambiental nesta quarta-feira (23), quando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu licença prévia para a construção da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis, no litoral Sul do Rio de Janeiro. A concessão da licença atende a um desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que a construção da usina está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas não é vista com simpatia pelo próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA), ao qual o Ibama é subordinado.
Crítico histórico da opção nuclear, o ministro Carlos Minc não escondeu sua contrariedade com a decisão do governo: "Não sou defensor de Angra 3, mas o governo já havia batido o martelo quanto à sua construção antes de eu virar ministro. Quando cheguei ao ministério, há 57 dias, o licenciamento já estava praticamente concluído. Apenas demos seqüência", disse Minc, durante entrevista coletiva concedida em Brasília ao lado do presidente do Ibama, Roberto Messias.
"Eu sempre fui crítico em relação aos riscos de uma usina nuclear. Agora, uma vez o governo tendo batido o martelo, cabe a nós, conhecendo os riscos, exigir condições de funcionamento que minimizem esses riscos", acrescentou o ministro. Em sintonia com o raciocínio de Minc, o Ibama, no ato da concessão da licença prévia, apresentou à Eletronuclear uma lista com 60 condicionantes que, se não forem atendidas, inviabilizarão a concessão da licença definitiva de funcionamento.
A principal condicionante diz respeito à construção de um depósito adequadamente seguro para armazenar o lixo radioativo. O sistema utilizado pelas usinas Angra 1 e Angra 2 _ que consiste em enterrar tonéis com dejetos radioativos em uma espécie de piscina a poucos metros do mar _ é considerado ineficiente e ultrapassado pelo Ibama.
Mesmo reconhecendo que "não existe solução definitiva para o lixo nuclear", Minc quer que o armazenamento seja feito da maneira mais segura possível: "Entre o ideal e o precário, há uma solução intermediária, mais segura do que deixar uma piscina a metros da praia", disse o ministro, citando os exemplos de França e Alemanha, onde o depósito de lixo radioativo é feito em minas lacradas.
Outra condicionante imposta pelo Ibama foi a adoção de um programa de monitoramento externo e independente das operações de Angra 3: "Esse monitoramento deve ser feito por um organismo independente, que pode ser ligado a uma empresa ou a uma universidade. Pode ser, por exemplo, a Coppe/UFRJ ou a USP", disse o ministro, acrescentando que esta é uma questão de segurança: "Nos últimos 15 anos, cerca de 70% dos problemas detectados em Angra 1 e 2, como vazamento de água, etc, foi informado por funcionários da Eletronuclear individualmente, e não pela empresa".
Para conceder a licença prévia à Angra 3, o Ibama propôs também algumas contrapartidas em relação à criação e manutenção de Unidades de Conservação. A Eletronuclear concordou em assumir a manutenção e o custeio da Estação Ecológica de Tamoios e do Parque Nacional da Serra da Bocaina, ambos localizados entre os litorais Norte de São Paulo e Sul do Rio de Janeiro. A estatal também deverá assumir obrigações quanto a dois projetos ainda não lançados oficialmente, que são as construções da Estrada Parque Paraty-Cunha e de uma nova ligação rodoviária entre os municípios de Angra dos Reis e Barra Mansa.
"Elefante branco radioativo"
A concessão da licença foi muito mal recebida pela maioria das organizações do movimento socioambientalista. O Greenpeace divulgou nota criticando o gasto que será feito pelo governo com a construção de Angra 3, que tem um custo inicialmente previsto em R$ 7,3 bilhões: "O aval técnico dado pelo Ibama à construção da terceira usina nuclear brasileira é uma afronta à Constituição Federal e ao contribuinte, que pagará os bilhões dessa conta", diz o documento.
O Greenpeace também criticou a lista com 60 condicionantes apresentada à Eletronuclear: "Por mais benéficas que sejam as exigências, elas não compensam a construção de uma terceira usina nuclear na região". Na quarta-feira (23), dezenas de militantes da organização fizeram um protesto em frente à entrada principal do MMA em Brasília. Os manifestantes levaram um cartaz representando o presidente do Ibama, Roberto Messias, com um tapa-olho adornado com o símbolo da radioatividade.
Coordenador da campanha de Energia do Greenpeace, Ricardo Baitelo afirmou que "aprovar o projeto de construção de Angra 3 é um retrocesso para o país e uma vergonha para o Ibama". Ele criticou o presidente do órgão e também o ministro Carlos Minc: "Roberto Messias entra para a história como o homem que assinou a licença de um elefante branco radioativo e, Minc, opositor da energia nuclear, como o ministro que lavou as mãos para o fato".
(Por Maurício Thuswohl, Carta Maior, 24/07/2008)