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barragem taquarembó barragem jaguari plano de irrigação rs
2008-07-24
Apesar da tentativa de esconder essa realidade, qualquer análise mais atenta dos estudos percebe que o principal objetivo das barragens é a irrigação. Desde que foram iniciados os estudos das barragens de regularização da bacia do rio Santa Maria este tem sido o objetivo. No entanto, uma restrição ensejada pela Resolução CONAMA 369/2006 impede a supressão de vegetação em Áreas de Proteção Permanente em projetos de irrigação. Para evitar esta restrição foi inserido outro objetivo que atende às possibilidades de supressão da vegetação das Áreas de Proteção Permanente, segundo a resolução mencionada: "I - utilidade pública: ... b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de ..., saneamento e ...". Ou seja, os EIA/RIMAs alegam que os empreendimentos se destinam ao abastecimento de Rosário do Sul (Jaguari) e Dom Pedrito (Taquerembó).

Ora, é fácil dimensionar que para abastecer cidades deste porte não há necessidade de barragens tão grandes como as propostas. O município de Dom Pedrito tinha em julho de 2006 42.151 habitantes e o de Rosário do Sul 41.497, segundo estimativas do IBGE. Mesmo supondo que a população aumente à média nacional, também estimada pelo IBGE, em 2050 as populações seriam não mais que 40% maiores, ou seja, 60.000 habitantes em Dom Pedrito e em Rosário do Sul. A uma taxa de uso de água na base de 200 l/hab/dia, geralmente adotada, bastariam 12.000 m3/dia para abastecer cada município ou uma vazão regularizada nos pontos de captação de 0,14 m3/s. Mesmo que se imagine que a região venha a passar por um grande processo de desenvolvimento, liderando nesse aspecto o estado do Rio Grande do Sul, e suas populações dobrem até 2050, a demanda hídrica para abastecimento de cada município será da ordem de uns 0,30 m3/s e ambos demandarão menos de 1 m3/s..

Embora os EIA/RIMA não informem as vazões regularizadas em cada barragem, por suas dimensões, elas deverão ter, isoladamente, vazões regularizadas várias vezes superiores a esse valor que atenderia à demanda de abastecimento das cidades nomeadas. Estudo anterior estimou a vazão regularizada apenas na barragem do arroio Jaguari como 4 m3/s, bem mais que 10 vezes o que é necessário para abastecimento de Rosário do Sul!

A rigor, para abastecer as cidades de Dom Pedrito e Rosário do Sul, bastaria uma solução sem previsão obras e, portanto, sem impactos ambientais: o maior controle das outorgas de direitos de uso de água nos períodos de estiagem mais intensa, quando é conhecido que o uso indiscriminado de água para irrigação de arroz causa os problemas de abastecimento mencionados. Outra alternativa seria aumentar a eficiência do uso de água na lavoura de arroz. Como última opção, caso se tomasse a má decisão (técnica, econômica e ambiental) de serem construídas barragens, provavelmente elas não seriam localizadas nos eixos propostos e teriam dimensões bem inferiores às que estão dimensionadas.

Esta análise, que deveria ser apresentada na hipótese de não realização do empreendimento, obrigatório em um estudo deste tipo, não foi realizada. Ao contrário mostrou-se uma situação de graves problemas de abastecimento, como se a única solução fossem as barragens previstas, nos locais e dimensões apontados. Isso compromete mais uma vez a qualidade formal dos EIA/RIMAs apresentados, mostrando que a empresa consultora ou não tinha competência técnica para elaboração desses estudos ou achava-se capturada pelos interesses do empreendedor.

No caso da barragem do Jaguari o problema é ainda maior: no próprio EIA/RIMA é comentada a existência do canal de grandes dimensões, e que demanda grandes investimentos, para levar água para irrigação de lavouras de arroz. Caso a irrigação fosse meramente um efeito colateral do projeto, ou um objetivo secundário, não haveria previsão dessa estrutura dispendiosa. Isto comprova que o objetivo principal das barragens é a irrigação e que, colateralmente, existiria o abastecimento das cidades, que poderiam contar com alternativas mais eficientes.

Adicionalmente: se o principal objetivo das barragens é o abastecimento de Dom Pedrito e de Rosário do Sul nas suas alternativas tecnológicas e locacionais deveriam ser consideradas barragens com dimensões exclusivas para o atendimento dessas demandas, o que não foi apresentado. Certamente, essas barragens teriam dimensões muitíssimo inferiores às com que foram dimensionadas com impactos sociais e ambientais também muito inferiores.

Em conclusão, tanto o empreendedor, a Secretaria de Obras Públicas e Saneamento, quanto a empresa consultora, usaram de artifícios para eximirem os projetos do que é disposto na Resolução CONAMA 369/2006, em um evidente tentativa de contornar a lei, mas sem que na prática isto aconteça: o projeto tem na irrigação seu principal uso, e que determinam as grandes dimensões e grandes impactos das barragens, e não poderiam ter as Áreas de Preservação Permanentes suprimidas.

Mais grave, o governo do Estado, que enfrenta sérios problemas financeiros, ao realizar investimentos em barragens que não passariam em qualquer análise mais criteriosa de eficiência econômica, comete o mesmo erro de tantos governos passados, e que levaram às atuais dificuldades financeiras. Mais uma vez, e como não poderia deixar de ser, será a sociedade gaúcha que pagará futuramente por esta incompetência, na forma serviços públicos com coberturas insuficientes e de baixas qualidades.


(Por Antonio Eduardo Lanna*, Ambiente JÁ, 24/07/2008)
* Antonio Eduardo Lanna, engenheiro civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Hidrologia Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ph.D na área de planejamento e gestão de recursos hídricos pela Colorado State University, EUA, ex-professor titular do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS onde se dedicou ao ensino de graduação e de pós-graduação, pesquisa e extensão na área de economia, otimização planejamento, gestão de recursos hídricos, pesquisador nível I-A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Atualmente atua como consultor de organismos nacionais e internacionais na área de recursos hídricos e é pecuarista na região afetada pela inundação da barragem do rio Jaguari

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