Mesmo se não tiver o aval de Furnas, sua principal parceira na disputa pelas hidrelétricas do rio Madeira, a Odebrecht pretende questionar na Justiça a mudança de local proposta pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil para a usina de Jirau, em Rondônia.
A disposição da construtora aumenta as chances de uma longa batalha jurídica em torno do projeto e minimiza a polêmica envolvendo as subsidiárias da Eletrobrás. Enquanto Furnas associou-se à Odebrecht na hidrelétrica de Santo Antônio, Chesf e Eletrosul são sócias da multinacional franco-belga Suez Energy e da Camargo Corrêa em Jirau.
O risco de uma briga nos tribunais preocupa o governo e já levou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz, a tentativas de dissuadir Furnas de uma aventura judicial.
As autoridades do setor elétrico temem que isso atrase a construção das usinas e cause um revés na declarada vitória contra a ameaça de um apagão no início da próxima década - hipótese descartada pelo governo após o sucesso nos dois leilões do Madeira. Irritado com as ameaças mútuas dos consórcios, Lobão cobrou uma trégua. " Não podemos admitir que o país pague o preço de uma briga entre duas empresas " , afirmou ontem o ministro. Ele descartou atrasos no cronograma das obras e disse ter conversando com os dois lados para evitar a judicialização do processo. " Estou convencido de que chegaremos a bom termo. "
Temendo que a briga comprometa a perspectiva de boa rentabilidade dos empreendimentos, alguns bancos que planejavam participar do financiamento das obras - principalmente por meio do repasse de recursos do BNDES - consideram a possibilidade de desistir. O Itaú é o banco que tem mais dúvidas, segundo o Valor apurou, sobre a viabilidade de sua participação no arranjo financeiro das hidrelétricas.
Ontem, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) confirmou a vitória do Energia Sustentável no leilão de Jirau. A homologação não significa um sinal verde às alterações no projeto de engenharia, que mudou em nove quilômetros e meio a localização da usina. Ela ateve-se apenas a analisar se a documentação apresentada pelo consórcio vencedor estava totalmente correta.
Odebrecht e Furnas entraram com um recurso administrativo, por meio do consórcio Jirau Energia, formado para a licitação da hidrelétrica, apontando falhas na documentação, como a falta de comprovação de experiência do engenheiro responsável e a ausência de certidões negativas. Os diretores da Aneel seguiram, de forma unânime, o voto do relator Edvaldo Santana.
A agência deverá receber o novo projeto de engenharia de Jirau nesta semana e ainda levará alguns meses até concluir se ele respeita plenamente as exigências do edital de licitação. O Ibama avaliará os impactos ambientais. É nesse momento, se houver aprovação dos dois órgãos para a mudança no projeto, que a Odebrecht - isoladamente ou com seus parceiros - pretende entrar na Justiça. O Jirau Energia tentará evitar ainda que a licença de instalação a ser dada para as obras de Santo Antônio, cuja concessão foi arrematada por Odebrecht e Furnas, valha também para a segunda hidrelétrica do Madeira.
A Aneel esclareceu que, se a alteração do local da usina não for aprovada, o consórcio vencedor será chamado a construir a hidrelétrica de Jirau na posição original, pela mesma tarifa com que venceu a disputa - de R$ 71,37 por megawatt-hora (MWh).
É improvável a realização de novo leilão porque, se o consórcio Energia Sustentável não aceitar essa condição, em caso de rejeição da mudança do projeto de engenharia, seus sócios ficarão inabilitados de participar de licitações públicas por até cinco anos. E é difícil imaginar empresas como Camargo Corrêa, Eletrosul e Chesf afastadas de novas linhas de transmissão, usinas e até empreendimentos fora do setor elétrico, como obras em rodovias. Além disso, o consórcio ficaria obrigado a pagar R$ 650 milhões, valor da garantia de fiel cumprimento já depositada.
O presidente do Energia Sustentável, Victor Paranhos, afirmou ontem que a empresa não fará novas parcerias com a Odebrecht caso a construtora recorra à Justiça. Ele lembrou que já existem parcerias entre elas nas obras de usinas como Estreito (TO) e Cana Brava (GO). O executivo também afastou a possibilidade da entrada de " sócios estratégicos " para Jirau. Na montagem das licitações do Madeira, o governo colocou à disposição dos vencedores, após cada leilão, uma participação societária do BNDESPar e dos fundos de pensão de estatais para ajudar nos investimentos necessários. Para Jirau, que terá 3,3 mil MW de potência, Paranhos disse que a composição - até a futura abertura de capital, com data ainda incerta - será a mesma da atual: 50,1%, Suez; 9,9%, Camargo Corrêa; 20%, Chesf; e os outros 20%, Eletrosul.
(Por Daniel Rittner,
Valor Econômico, 23/07/2008)